Todas as vozes me receberam com pouco caso.
Nunca soube o que fazer com o eco que produziam. As cordas vocais vibravam com
fraqueza e logo se perdiam no meio fio, sem saber atravessar a rua. A fraqueza
era triste, mas era extremamente necessária. Ela delimitava o ser pelas suas
incapacidades. A falta era o que completava a definição de sujeito.
A subjetividade da voz se intrometia no ritmo
dos veículos, de modo que a diferenciação entre o corpo veicular e a
corporeidade sonora que se instalava nas entrelinhas era praticamente
impensável. O carro se tornou, por parcos segundos, um rubor avermelhado.
Freio. Era tudo culpa das pobres gotas que insistiam em se fazer presentes.
Por que as vozes não saíam da rua e rumavam
para a minha cabeça dormente? Talvez porque eu já tivesse a cabeça atarefada
demais. Talvez o raciocínio precisasse de uma saída, uma bolha de ar no oceano,
apenas para conseguir despertar para a admiração do nada.
O silêncio era a maior riqueza interpretativa,
e pouco era feito com suas possibilidades. Seu solo primevo poderia se provar
infrutífero, porém esse veredicto dificilmente se comprovaria. A revelação
viria aos poucos, com diversos rostos iluminados pelo neon verde da placa da
lanchonete.
Era audível uma sirene ao longe, que não se
aproximava do grupo de veículos parado em alagamento intransitável nem se
afastava da realidade acidentada. O real era aquele caco de vidro todo torto
que se colocava entre estofados de um carro e comida chinesa de outro, que nos
dizia quase em um sussurro: não se vai muito longe aqui com o olhar.
De fato, sua superfície espelhada permitia que
apenas objetos miúdos fossem refletidos. O inverso do mundo que capturamos
visualmente não é posse de ninguém, mas é cativo de uma esfera conhecida por
poucos globos semicerrados curiosos. O inverso é o vidro inexistente, é o caco
de vidro que forma a superfície espelhada do mar na conformação mundial.
Nada seria sólido se não existisse o líquido
como elemento contrastante. A vida é o contraste eterno dos segundos que se
perde com um espelho existencial que nunca foi verdadeiramente nosso.
*Escrito por Fernanda Marques Granato.
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