quinta-feira, 19 de março de 2015

A decadência de quatro portas pregadas em janelas de zinco


O pó se acumulava há anos no pé que havia deixado colado ao antepé que produzi ao entrar, hesitante, receosa de que perceberiam que aquela perna não era minha. Andávamos juntas há muito tempo, embora fosse uma parca representação do que um dia fora meu sustentáculo. Dois decassílabos pobres, era tudo que eu era. Não havia verso alexandrino me esperando. Nunca houvera. Ouvia agora há pouco cá dentro uma voz ressabiada que queria se mostrar verde, queria se revelar azul e se colocar rosa mas só conseguia se apresentar como hachura de luz, sem saber que a sombra não era necessariamente ruim. Talvez fosse útil para desvendar a casa. 
Uma perna semi descoberta se apertava entre duas cortinas para esconder a razão de sua presença. Não era necessário explicar o tabu que se definia pela atitude da almofada para com o sofá, que só queria saber de sumir naquelas curvas e ser engolida por toda aquela solidez macia. Não havia espaço para respirar ali, então me ausentei por duas batidas do coração. Estar distante daquelas cores características me fez feliz, mas também me fez vazia, e quis voltar para reconstituir a dor, antes que tudo o mais me fosse tomado. Ao menos a dor ainda estava lá. 
Pregada em uma janela de zinco seco, a entrada para a dor estava observando que posição eu ocuparia na casa que aos pedaços se encontrava, aos pedaços foi levantada e aos pedaços seria derrubada mais uma vez. Não por ódio, nem por luta, mas por resolução. A resolução que um dia ocupou por mais de meio segundo meu rosto me fez adentrar novamente a casa. 
A dúvida acerca da penetrabilidade da estratégia que segurava a segunda porta na janela me fez checar duas vezes se a minha sombra havia entrado junto comigo, pois, às vezes, ela me abandona e isso me revolta. A perda do reflexo na ausência é a perda de definição do ser e de concretude, pois nada se é se não há oposto, reflexo ou contrário. Como a terceira porta não tinha projeção, não havia quarta porta. Decidi sentar no chão e observar o pó que se acumulava ao pé da janela semicerrada por quatro portas existentes no pensamento de todos aqueles que acreditavam ser possível existir no vazio. Sonhei. Acordei. Andei. A floresta que me habita agora sempre anda comigo, sozinha. 

*Texto protegido pela lei de direitos autorais.
*Escrito por Fernanda Marques Granato. 


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