sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O caminho de oito voltas reversas


      Assim como a água, aquela rua não havia sido feita para encaixar: apenas estava lá, e estar bastava para aqueles que a circundavam, não era necessário conectar entroncamentos urbanos com saídas intimistas. A leve brisa poderia enganar o andarilho mais distraído, fazendo parecer que nada havia para ser percebido. Ah, mas sempre houve. Explorar o conhecido era uma atividade que levava a diversas felizes epifanias, como a mais recente, porém ainda encoberta, de que todo fato é inexistente.        Todo fato habita a convergência de percepções subjetivas que conformam cada ponto de vista que se movimentava naquele quarteirão de bairro cabisbaixo, franzino e abandonado por todos que passaram e deixaram de considerá-lo um fim em si mesmo, algo sem utilidade prática. 
        Essa ausência de espaço para exalar a inexistência sempre incomodou, e a proporção do mundo não ajudava a atenuar essa impressão, talvez errônea, mas sempre fazendo sua certeza muito clara. O nível da rua sempre foi arbitrário, independente do critério utilizado para analisá-lo. Uma reta que ia clareando conforme a primeira volta se aproximava era considerada, por convenção acordada por todos aqueles que aceitavam a terceira árvore da volta direita real, o primeiro sinal de que a segunda volta teria iniciado nos arredores intocados pelo papel reciclado que outrora voara inconsistentemente a seis palmos do muro. 
        Quanto aos que não reconheciam a autoridade da quarta árvore, ah, esses ninguém nunca soube o que pensavam. A música que ressoava no asfalto quando a gota de tinta seca se ausentava era aviso suficiente. Todos sabiam o que esperar. Todos os caminhos levavam a voltas, e todas as voltas tinham enraizamentos, entretanto os andarilhos nunca se encontravam entre uma volta e outra, pois a infinitude de possibilidades associativas tornava a subjetividade da rua uma caixa de sapato sem tampa ou fundo, sem número, preço ou produto. O objetivo e a estratégia estavam lá, estirados entre as proporções das faixas da rua, mas ninguém os via, pois ninguém havia considerado a possibilidade de idéias voarem. Chegou a hora. A próxima folha decolará em dez minutos, e só temos espaço para três idéias e duas ramificações. Melhor correr.

*Texto escrito por Fernanda Marques Granato.
*Este texto está protegido pela lei de direitos autorais. 



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