Na escuridão ele tateava, em busca do interruptor. Seus dedos calejados
finalmente o encontraram, desatentos ao perigo reinante no ar sufocante.
Evanescer, subir às nuvens, desacordado, finalmente, realizar o último desejo
antes do almejado descansar eterno. Volta, não terá. Caminho único. Desprezar o
atento avisar das folhas que voam na sua frente, em busca de um preciso olhar,
que definitivamente não fará jamais duvidar, sequer repensar o tesouro
sempre brilhante diante do breu. Presença indetectável, sempre sussurrante,
inevitável despretensão. Preto. Um brilho maníaco o perpassa, desatento. A luz
o invade, nervosa, e a pupila dilatada retrai-se, percebendo a inconveniência.
As pálpebras se fecham, impedindo a invasão de privacidade. A cabeça meneava de
modo desconcertante, embora percebesse a presença do medo reinante em território
alheio. A vermelhidão díspare lutava por espaço com as trevas, endividadas com
a personalização errônea.
Cada vez mais a
voz sibila, nervosamente insípida, para que tenha mais independência, mais
espaço nas decisões. O que ocorria à sua volta, seja o que fosse, estava
totalmente fora de suas mãos sussurrantes ante o segredo maior, revelado em
doses homeopáticas. O contato urticante a contaminava e nada pudera fazer, nem
antes nem agora, tão somente envolta em chuva fria e cinza, sempre
torrencialmente esbranquiçada. Amaríssimo era o seu redor. A todos era
concedida uma voz, a não ser ela, sempre carta fora do baralho. Nunca ouviria
uma companheira, uma gota que se aproximasse e dissesse simplesmente: estou
aqui para segurar a sua mão. Plasticidade bombástica. Flor que outrora olhara
para a companheira, mas não mostrara cumplicidade.
As comemorações
continuam, o sentido esvaiu-se por completo. As luzes ininterruptas fogem à
atenção da nossa mente deslumbrada, sem saber o que decerto observar. Vozes
ecoam erroneamente pelas ruas lotadas de almas sem dono, de saber sem sentir,
de corpo sem calor. Sabor.
A manhã nasce
tímida, o sol ganhando sussurrante cada quarteirão. As janelas se abrem,
ansiosas, e ninguém sabe onde está o orvalho da manhã. As estrelas solitárias
não têm mais espaço nesse mundo superpovoado. Respirar não é mais necessidade,
é condição para ter presença assertiva no compadecer do fim do outono. A
sanidade para muitos é questionada, e a loucura vira regra de indivíduos
enfileirados esperando pelo amargor do vento a carregá-los, insípida e
repentinamente para outro clamor. Plano de existência duvidoso. O turbilhão de
luzes inevitavelmente adentra o seu calor e experimenta o seu sabor,
eroticamente disposto em meio às águas calmas de azul pérola. O amor desaparece
da superfície do mar, dando lugar à alga marinha e a água salgada. Nunca
ninguém questionara o seu pensar, sabidamente calculado com precisão
calculista, bem como a vida. O ar é motivo de disputa, assim como o espaço é
supervalorizado. Cada alma levada é seguida por um trovejar de almas
peregrinas que serpenteiam sem rumo. Ar. Sufocante esperar, desespero
reinante. O vento lutava com sua vontade de estar lá, que era dificilmente
limitada pela imprecisão da situação. A cortina cinzenta de chuva tateava seus
magros ombros, e Verônica tirava seus longos cabelos do alcance das gotas que apostavam corrida. Levantou seus pés e começou a caminhar lentamente,
observando o movimento em volta do pensar confuso. O casulo no qual vivia agora
era ameaçado por forças exteriores. Os cachos de seu sedoso cabelo a protegeram
por tanto tempo, mas agora não podia mais confiar neles.
Outras
aquisições eram exigidas. Um esgar de dor perpassou a preciosa cabeça, e ela
percebeu que a hora chegara. Seu sangue gritava para que sua presença fosse
reconhecida e a sua vontade fosse realizada. Precisava armar-se. Fim da
primavera, flores desabrochavam como pérolas em ostras. O elogio da cidade
sobre o campo era o subterfúgio do desespero urbano, que fagocitava qualquer
possível calma.
Verônica estava sentada em uma poltrona quando
sentiu uma presença inebriante ao seu lado. Uma respiração pesada e constante,
mas quando seus olhos foram descansar na superfície de seu corpo, não tinha
nada lá, a não ser o vazio preenchido pelo ar. A verdade velada a escapava, mas
conforme o tempo passava ela se fazia mais necessária. Seus olhos, tão azuis,
buscavam a solução nas águas, a mentira nas cachoeiras, e só o vento soprava em
sua delicada face. O segredo estava guardado nos olhos do felino, sempre
distante da descoberta iminente. A explosão em mil pedaços de seu ser
despedaçado levava a várias portas. A luz implodia em seus olhos, as faíscas
pulavam agitadas, as nuvens de gases inflamáveis voltavam aos céus. Explosão
silenciosa. O ribombar dos tambores a anunciar a decisão, o grito a perpassar a
noite inacabada, o céu noturno turvando diante da decisão incerta. O que iria
acontecer?
Flechas penetravam
sua carne como peixes penetram a superfície da água, ousadia em dourado. Quem
teria a paz em suas mãos, em seu poder, fundamentalmente? Perdida, em meio às
altas árvores que lhe faziam companhia, assobiava sozinha. O telefone, impetuoso,
atrapalhava o caminho do pesar. Olhou sua imagem refletida na superfície fria
do espelho: o âmago do sentir estava lá, porém não o sentir com corpo, o sentir
de fato. Crescimento desregrado. Longas noites e curtos dias esperavam para
serem vividos, e o seu ar estava contado. A competição era algo iminente e, ao
mesmo tempo, inerente. A luta viria, cedo ou tarde. Restava saber se ela
estaria preparada para enfrentar o monstro interior. O furacão consumia o seu
desejo de viver, tão somente sabendo que uma máquina arenosa contava quantos
minutos restavam à sua existência. Fenômeno impassível. Aspectos voavam soltos,
e restava a ela pô-los na ordem correta, se quisesse ganhar a segunda chance
para reviver na água, sair das profundezas do pesar, do amargor e da dor e
finalmente experimentar o calor do sol.
Uma dor aguda
penetrava o seu peito, e suas pálpebras fechavam levemente, tentando amenizar a
dor sentida. A vida era, de fato, mais dura do que ouvira dizer. Anteriormente,
andava arriscando-se pelas brumas em chamas da questão, inebriante escuridão.
Sua vida era como uma planta que estava preste a ter sua raiz arrancada ou a
ter seu suprimento limitado de água suspenso. O tempo era a base de tudo. O caráter relativo da circunstância a fazia perscrutar no último verão. Sol vindouro.
*Escrito por Fernanda Marques Granato.
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