domingo, 7 de setembro de 2014

Pérola em chamas


Na escuridão ele tateava, em busca do interruptor. Seus dedos calejados finalmente o encontraram, desatentos ao perigo reinante no ar sufocante. Evanescer, subir às nuvens, desacordado, finalmente, realizar o último desejo antes do almejado descansar eterno. Volta, não terá. Caminho único. Desprezar o atento avisar das folhas que voam na sua frente, em busca de um preciso olhar, que definitivamente não fará jamais duvidar, sequer repensar o tesouro sempre brilhante diante do breu. Presença indetectável, sempre sussurrante, inevitável despretensão. Preto. Um brilho maníaco o perpassa, desatento. A luz o invade, nervosa, e a pupila dilatada retrai-se, percebendo a inconveniência. As pálpebras se fecham, impedindo a invasão de privacidade. A cabeça meneava de modo desconcertante, embora percebesse a presença do medo reinante em território alheio. A vermelhidão díspare lutava por espaço com as trevas, endividadas com a personalização errônea.
Cada vez mais a voz sibila, nervosamente insípida, para que tenha mais independência, mais espaço nas decisões. O que ocorria à sua volta, seja o que fosse, estava totalmente fora de suas mãos sussurrantes ante o segredo maior, revelado em doses homeopáticas. O contato urticante a contaminava e nada pudera fazer, nem antes nem agora, tão somente envolta em chuva fria e cinza, sempre torrencialmente esbranquiçada. Amaríssimo era o seu redor. A todos era concedida uma voz, a não ser ela, sempre carta fora do baralho. Nunca ouviria uma companheira, uma gota que se aproximasse e dissesse simplesmente: estou aqui para segurar a sua mão. Plasticidade bombástica. Flor que outrora olhara para a companheira, mas não mostrara cumplicidade.
As comemorações continuam, o sentido esvaiu-se por completo. As luzes ininterruptas fogem à atenção da nossa mente deslumbrada, sem saber o que decerto observar. Vozes ecoam erroneamente pelas ruas lotadas de almas sem dono, de saber sem sentir, de corpo sem calor. Sabor.
A manhã nasce tímida, o sol ganhando sussurrante cada quarteirão. As janelas se abrem, ansiosas, e ninguém sabe onde está o orvalho da manhã. As estrelas solitárias não têm mais espaço nesse mundo superpovoado. Respirar não é mais necessidade, é condição para ter presença assertiva no compadecer do fim do outono. A sanidade para muitos é questionada, e a loucura vira regra de indivíduos enfileirados esperando pelo amargor do vento a carregá-los, insípida e repentinamente para outro clamor. Plano de existência duvidoso. O turbilhão de luzes inevitavelmente adentra o seu calor e experimenta o seu sabor, eroticamente disposto em meio às águas calmas de azul pérola. O amor desaparece da superfície do mar, dando lugar à alga marinha e a água salgada. Nunca ninguém questionara o seu pensar, sabidamente calculado com precisão calculista, bem como a vida. O ar é motivo de disputa, assim como o espaço é supervalorizado. Cada alma levada é seguida por um trovejar de almas peregrinas que serpenteiam sem rumo. Ar. Sufocante esperar, desespero reinante. O vento lutava com sua vontade de estar lá, que era dificilmente limitada pela imprecisão da situação. A cortina cinzenta de chuva tateava seus magros ombros, e Verônica tirava seus longos cabelos do alcance das gotas que apostavam corrida. Levantou seus pés e começou a caminhar lentamente, observando o movimento em volta do pensar confuso. O casulo no qual vivia agora era ameaçado por forças exteriores. Os cachos de seu sedoso cabelo a protegeram por tanto tempo, mas agora não podia mais confiar neles.
Outras aquisições eram exigidas. Um esgar de dor perpassou a preciosa cabeça, e ela percebeu que a hora chegara. Seu sangue gritava para que sua presença fosse reconhecida e a sua vontade fosse realizada. Precisava armar-se. Fim da primavera, flores desabrochavam como pérolas em ostras. O elogio da cidade sobre o campo era o subterfúgio do desespero urbano, que fagocitava qualquer possível calma.
 Verônica estava sentada em uma poltrona quando sentiu uma presença inebriante ao seu lado. Uma respiração pesada e constante, mas quando seus olhos foram descansar na superfície de seu corpo, não tinha nada lá, a não ser o vazio preenchido pelo ar. A verdade velada a escapava, mas conforme o tempo passava ela se fazia mais necessária. Seus olhos, tão azuis, buscavam a solução nas águas, a mentira nas cachoeiras, e só o vento soprava em sua delicada face. O segredo estava guardado nos olhos do felino, sempre distante da descoberta iminente. A explosão em mil pedaços de seu ser despedaçado levava a várias portas. A luz implodia em seus olhos, as faíscas pulavam agitadas, as nuvens de gases inflamáveis voltavam aos céus. Explosão silenciosa. O ribombar dos tambores a anunciar a decisão, o grito a perpassar a noite inacabada, o céu noturno turvando diante da decisão incerta. O que iria acontecer?
Flechas penetravam sua carne como peixes penetram a superfície da água, ousadia em dourado. Quem teria a paz em suas mãos, em seu poder, fundamentalmente? Perdida, em meio às altas árvores que lhe faziam companhia, assobiava sozinha. O telefone, impetuoso, atrapalhava o caminho do pesar. Olhou sua imagem refletida na superfície fria do espelho: o âmago do sentir estava lá, porém não o sentir com corpo, o sentir de fato. Crescimento desregrado. Longas noites e curtos dias esperavam para serem vividos, e o seu ar estava contado. A competição era algo iminente e, ao mesmo tempo, inerente. A luta viria, cedo ou tarde. Restava saber se ela estaria preparada para enfrentar o monstro interior. O furacão consumia o seu desejo de viver, tão somente sabendo que uma máquina arenosa contava quantos minutos restavam à sua existência. Fenômeno impassível. Aspectos voavam soltos, e restava a ela pô-los na ordem correta, se quisesse ganhar a segunda chance para reviver na água, sair das profundezas do pesar, do amargor e da dor e finalmente experimentar o calor do sol.

Uma dor aguda penetrava o seu peito, e suas pálpebras fechavam levemente, tentando amenizar a dor sentida. A vida era, de fato, mais dura do que ouvira dizer. Anteriormente, andava arriscando-se pelas brumas em chamas da questão, inebriante escuridão. Sua vida era como uma planta que estava preste a ter sua raiz arrancada ou a ter seu suprimento limitado de água suspenso. O tempo era a base de tudo. O caráter relativo da circunstância a fazia perscrutar no último verão. Sol vindouro. 

*Escrito por Fernanda Marques Granato.
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