sexta-feira, 16 de maio de 2014

Duas gotas de perdição



Gostaria de poder dizer que essa lágrima foi a última, e que nenhuma outra vai habitar a vasilha repleta de doces secos. Gostaria de saber que o próximo passo será certeiro, e não dependerá de nenhuma circunstância externa impossível de ser abarcada pela minha subjetividade. 
Gostaria de saber que a existência do ar não depende da pressão exercida sobre ele, e que nada poderia ser feito para extinguir a presença ocupada por ele neste mundo. Mundo que depende de variáveis, de perspectivas, de circunstâncias, de apêndices. Sempre senti que um apêndice é muito mais importante do que as pessoas reconhecem. 
O crédito é merecido, estou muito certa disso. O carro não iria muito longe se não fosse o auxílio do apêndice, o apêndice de medo e pavor que o guia pelo caminho entrecortado de espinhos. A roseira sempre foi minha. Nunca soube se queria o objeto de meu desejo por ele ser palpável e passível de referência em nosso mundo ou se apenas o almejava por tentar encontrar uma representação mais verdadeira que o mundo de reflexos em que vivemos. 
Mundo de representações de falsas subjetividades. Mundo da transparência da fosca superfície desencontrada em meio lago de inverno. Todas as cores do mundo se encontram em mim e eu as resumo em branco, pois preciso colocá-las em uma categoria comparável a outras; preciso compreendê-las cientificamente, preciso defendê-las como defenderia dois pássaros em uma folha de cerejeira, preciso conhecê-las como conheci um dia a mim mesma. 
Hoje, poderia dizer que conheço mais a um estranho. Afinal, tudo que sei do estranho é aquele conteúdo mostrado, e não preciso me preocupar com a latência que um dia virá se manifestar como discurso. O largo espaço entre eu e a subjetividade do outro não me dá pista alguma do que seria a minha identidade, apenas me diz que não sou o outro nem sou o espaço vazio que outras subjetividades ocuparão em tempos futuros e ocupam em tempos simultâneos, porém sem o meu conhecimento. 
Desconheço se o que me caracteriza enquanto sujeito se coloca como expectativa dos outros traçada a partir do que já alcancei, ou se sou as minhas lacunas. O espaço vazio que sou se diferenciaria de alguma forma de outros espaços vazios? Seria esse salto de expectativa algo ousado demais ou recatado demais? O parâmetro de comparação é extremamente relativo. Só o dia seguinte saberá a resposta. Improvável. 

*Escrito por Fernanda Marques Granato.

*Texto protegido pela lei de direitos autorais. Só será permitida a reprodução com a autorização da autora e devida citação nominal da fonte primária. 


**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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