sexta-feira, 16 de maio de 2014

A parede costurada no livro



Minha mão encosta na maçaneta e a porta revela o conforto do lar. Finalmente. A bolsa encontra o chão no qual vai descansar pelas próximas horas e eu me estico o máximo possível na cama mais próxima. Depois de competir com a cama pela posição de mais tempo na horizontal por três horas seguidas, já me sentindo derrotada e um tanto fatigada, levanto-me e já consigo manter os olhos abertos sem ter que lutar para não fechá-los. A ardência ocular passou, e consigo me erguer sem sentir tontura. Foi um sono reparador, de fato. Percebo que um pacote descansa em cima do pufe no meio do quarto, onde três horas atrás nada havia. Entusiasmo-me. Um pacote verde e branco. Ansiosa, dirijo-me ao pacote armada de uma tesoura imaginando o que o embrulho da livraria cultura me reserva.
         Um rápido corte no plástico revela um diminuto volume verde escuro, totalmente envolto em plástico. Retiro o plástico e tento, em vão, abrir o livro mas, para o meu desespero, o livro se encontra costurado dos dois lados (tanto o lado da lombada quanto o outro que deveria me permitir o acesso à sua riqueza para a leitura). O desespero toma conta de mim, pois sei perfeitamente que nada sei sobre costura e que me encontro sozinha em casa. Apenas um gato e um cachorro me fazem companhia, e nenhum dos dois sabe costurar. Fico preocupada.
         Pego a caixa de costura de minha mãe e de lá tiro três tipos diferentes de agulhas; pego o saco de tricô e tiro aquela agulha diferente; tento nervosamente retirar a linha que foi costurada nos furos minúsculos da encadernação com os quatro tipos de agulha e nada muda. Essa é a hora em que eu decido desgostar do status quo e minhas sobrancelhas ficam um pouco arqueadas de irritação. Com o olhar atento, decido pegar um objeto retangular e transparente de no máximo quinze centímetros que acompanha o livro, e que me parece ser um marcador de página ou uma régua. Com a ponta desse "marcador", com muita paciência, consigo tirar a linha dos buracos e a costura, pouco a pouco, se desfaz.
         Depois de meia hora, a costura do lado direito do livro está desfeita e consigo abrir a capa, para ter a minha ânsia de leitura mais uma vez frustrada: as páginas se encontram pintadas de preto, assemelhando-se à uma parede, e foram dobradas e coladas na lombada. No interior da dobradura há texto, inacessível porém. As folhas, antes de tamanho A4, agora dobradas assumem o tamanho A5, e coladas na lombada me lembram de tristes envelopes esquecidos. Continuo sem conseguir ter acesso ao mar de letras.

            Em um impulso enlouquecido, decido desfazer a costura da lombada e retirar a cola das páginas que se unem à capa, para finalmente conseguir abrir as folhas e ler o livro. Mais meia hora se passa e eu finalmente retiro toda a costura que prende os cadernos do miolo do livro à capa. Retiro a cola e abro as páginas. Outro susto: as páginas estão encadernadas ao contrário. A página à esquerda da folha é a página 37, e a página à direita é a 36. Concluo que tenho que ler ao contrário do tradicional, ou seja, da direita para a esquerda do livro, abrindo as folhas para ter acesso às palavras no seu interior. Resolvo por fim recortar as páginas e transformá-las todas em A5, para colocá-las em ordem e, depois de encadernar a publicação novamente, ser capaz de lê-la. Após recortar e reordenar todas as páginas sinto uma tristeza abissal, pois paguei R$ 44,00 reais para destruir um livro,  e depois a minha tristeza é suplantada por uma raiva tenebrosa, quando, ao entrar no site da editora para buscar uma explicação racional para o meu desespero, encontro um texto que diz que o leitor deve desfazer a costura do lado direito da encadernação puxando a fita vermelha (devo ter arrancado ela logo no começo da minha fúria) e deve, em seguida, utilizar a espátula que acompanha o livro para refilar as páginas. Minha raiva atingiu então um nível  nunca antes imaginado e percebi, com alívio, que a parede era metafórica e não deveria desconstruí-la também para poder, finalmente, ler o livro.

*Escrito por Fernanda Marques Granato.
*Texto protegido pela lei de direitos autorais. Só será permitida a reprodução com a autorização da autora e devida citação nominal da fonte primária. 

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

Nenhum comentário:

Postar um comentário