quarta-feira, 19 de março de 2014

Idiotices do João [60]


Sem o menor motivo aparente, João paralisou-se de vergonha.
Perante a plateia incidental, perante os comprantes em potencial, Joãofez o favor supremo a si próprio de se esconder no primeiro buraco que achou: o boicote auto-declarado. Fechou-se como uma tartaruga, sorriu feito um palerma, apequenou-se feito um idiota desses qualquer. E, é claro, chicoteou-se deliciosamente mais tarde.
Eu deveria voar, porém ainda me escondou dentro do guarda-roupa. Os trajes mais claros não são suficientes quando a escuridão dá umas estocadas incidentais na autoestima vacilante. Sou o mais forte, repete-se, sou o mais forte, não sei nem o que dzer aqui, mas a melhor amiga disse para desenvolver. Olharam, sabe-se lá o que pensaram, são de cores diferentes, olharam; é a melhor amiga, afinal, aquela que compreende o que a maioria não faz ideia. Não é da conta de vocês.
A antiga professora surgiu de repente. Reconheceu João pelos trejeitos, pela energia, pela voz. João destaca-se, mesmo quando tenta se esconder. Boicota-se, seguindo uma programação arcaica ainda não superada. Mas ainda assim se destaca. E as pessoas se lembram, por longos anos. Talvez para sempre. A antiga professora ainda recita a produção dele, João, para os alunos, e os alunos, muito admirados e impressionados, perguntam nervosamente quem diabos é esse cara. E João não acredita.
João detesta usar o telefone. Detesta. João ligou para a Maria, a senhora sua rainha, ligou desajeitado porém ligou, reunindo coragem sabe-se lá de onde. João falou, falou, e ainda encontrou tempo para se chicotear, alegando falta de firmeza nas palavras. Mas João falou, fazendo um grande favor a si próprio de se lembrar da doçura que lhe característica. Porém, alta faltou algo. João segue sangrando no arame farpado das autocobranças. Sempre mais, sempre deveria fazer mais, sempre deveria ser mais.
Nas Terras Natais, o evento ocorreu. Encontrou-se com os companheiros de uma vida passada. João havia morrido sem se despedir, mas ainda assim eles foram lá, não todos, porém os mais queridos se apresentaram. João morreu muitas vezes sem dizer uma palavra para os que ficaram para trás, para renascer em novas terras de sua nova fase. A queridíssima Luz Real superou seus próprios limites, uma vez mais, para estar presente na maior realização de sua cria até o presente momento. A vitória do João é a vitória dela, pois ele é produto desta que é a maior luz de todos os tempos.
Um dia, a luz se apagará…
…e João cerra os punhos para honrar o sangue real da Luz Rainha, a mais poderosa de todas as guerreiras do mundo visível.
João sorri em voz alta, na frente de todos. Sorriu em voz alta pelo direito supremo de assumir para si próprio sua maior causa nesta terra, sorriu em voz alta pela glória máxima de assumir para si próprio sua profissão de fé, sorriu escancaradamente aos berros pela premissa definitiva de assumir para a sua própria alma que persiste no processo lento e gradual de melhora e engrandecimento. A escuridão sempre cutucará, sempre, porém jamais o cobrirá novamente. A monja disse que João é como Lúcifer, “perambula pela escuridão mas na verdade deseja a luz”; João abandonou a Corte Unseelie e assumiu seu Legado Seelie, ainda que sua herança cutuque, cutuque… pois cutuque o quanto quiser. João permite que seu sorriso brilhe pela noite. E então declara publicamente o quanto ama seu novíssimo filho.
João está vivo para amar novamente.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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