João deu um tiro na própria testa, pois sentiu-se menor perante a imensidão do sucesso.
O
sucesso escarneceu dos receios de João no momento em que Maria subiu no
palco para receber o grande prêmio internacional de reconhecimento por
sua árdua dedicação ao seu trabalho e à sua equipe. João pestanejou
enquanto o prêmio era entregue pelos patrícios daquele mundo que João
não compreende. Está se cobrando outra vez, está-se exigindo excelência
de desempenho. Todos os dias repete a mesma ladainha, está vomitando sem
parâmetro. Houve o diálogo coletivo, a poetisa da Grande Sensibilidade,
adorada e de pés beijados, sábados e sábados de dedicação, realizaram o
seminário apaixonado, o que João aprendeu? Está se iludindo para tentar
sentir. Está fechado outra vez. Embaralhado. Não era Maria que ele
beijou. Não era. Não será. Desculpe-me. Maria subiu ao palco para
receber o prêmio e apresentou seu marido. Enquanto isso, João foi
atacado pela paródia para que de paródia pudesse servir outra vez.
Apenas um arremedo de ser humano, João se curva, sorri patético. Melhor
mesmo meter uma bala na cabeça.
João
poderia ter-se jogado da janela, se tivesse maior coragem. Foi-se
deitar esmagado pela tristeza, derrotado pelo peso do seu mundo
medíocre, incapaz de reagir contra si próprio. Novamente, falta
sensibilidade e aprofundamento. Sempre se justificando. Em qualquer
outra ocasião, fantasia orações fabulosas e textos magninânimos. As tais
palavras estupendas simplesmente desaparecem na hora em que tem de
escrevê-las. Ridículo, caro João, ridículo.
Escuridão
se contorce sempre. Está escuro, sempre. Poderia espernear. Mais fácil
desistir. Permite-se esmagar. Falta tino. Está-se cobrando outra vez.
Amanhã será mais um procedimento igual a todos os outros, ambiente
estéril, todos fazendo as mesmas coisas sempre. Eles têm é de quebrar
tudo, sim, têm de ir às ruas urrar contra, mas aí o coleguinha ao lado
balbucia mais uma opinião viciada e imbecil, contra a gritaria que ele
acha lindo quando é lá fora. A mesma idiotice, cercado de estúpidos,
incluindo o clichê de dizer isto.
E nem se compara com a poetisa do seminário. Falta sensibilidade, para variar.
João
nem está escolhendo o que dizer. Criatura deprimente! Órfão do próprio
estilo, o melhor que pode fazer é criticar a si próprio. Irrita-se com o
ranger da porta. Detalhe insignificante. Irrita-se com
superficialidades. Sentado, olhando para a tela, sentado, todos os dias,
gralhas gargalham, proferem imbecilidades de sempre, de sempre, a mesma
merda sempre sempre sempre, estéril, o seminário da poetisa, escreveu
um monte, grande obra, extensa obra, emocioadas, emocionadas, admiram
tanto a grande escritora, lambem os pés do doutor escritor de direito,
sempre, sempre, vão todos para suas casas, vidinhas, vidinhas, lambem os
pés dos doutores celebridades, arrastam-se todos os dias, gargalham,
gargalham as gralhas, maldizem os badernistas da televisão, aplaudem
quando os do norte fazem a mesmíssima coisa, vidinha, vidinha, vidinhas,
não foi Maria quem você beijou, não foi, Maria estava ganhando prêmio,
você embasbado e inútil, ridículo, nada representa para o mundo, nada
acrescenta, não é um senhor doutor, nunca alcançará tamanho prestígio,
nunca, nunca, remoe-se em inveja, inveja dos casais, inveja dos que têm
os pés lambidos, permitiu-se vitimar pela ilusão da vida feliz,
deixou-se iludir, deseja beleza e destaque, a mesma merda dos que você
critica, a mesma idiotice, tão parvo e deprimente como todos os demais,
Maria ganhou o prêmio internacional e apresentou seu marido, João foi
agarrado pela paródia na frente de todos, todos riram da paródia que é o
João, nunca será merda nenhuma, remoe-se no quarto escuro, solitário e
ridículo, amargo e retorcido, foi-se deitar, esmagado pelo peso do seu
mundinho medíocre.**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**
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