sexta-feira, 7 de junho de 2013

Idiotices do João [40]


“Você é muito profundo, João”.
Olhei nos olhos de Maria por alguns instantes. Na verdade, encarei-a com bravura, pela prmeira vez nesta vida. Encarei-a enquanto falava. Respirava e tentava enxergar a mim mesmo como a pessoa mais alta da sala. O bar estava lotado, eu não conhecia a maioria das pessoas ali presentes, na verdade eu só conhecia Maria e mais uns três. Além do próprio aniversariante. Neste instante, eu deveria estar criando a próxima ideia genial, mas o mundo em branco a minha frente me calou. Enquanto isso, eu encarava os olhos turvos de Maria. O Estatuo do Nascituro é uma aberração, elaborei minha opinião a respeito e muitos, muitos concordaram, fizeram sinal de joinha. Compartilhamento inútil, um afago ridículo de ego, nada mudará. Lições de moral para uma moral deturbada. Você é tão mesquinho quanto os demais, meu caro João, deve sempre se lembrar. Tenta se comunicar inutilmente por mensagens, por textos, tenta provar para si próprio que sua existência pode ser menos inútil. Encarou Maria nos olhos, naquele bar lotado, pela primeira vez, Maria que sempre o fez abaixar a cabeça enquanto passava, deslumbrante pelo corredor, olhos turvos que exalavam apreensão, andava com a classe soberba das almas tortas, Maria é uma alma torta, você sabe, você fareja, e é por isso que ela tanto o fascina. Maria não respondeu sua mensagem quando postou para ela aquele seu desabafo a respeito do filme, ela não respondeu porque você a ignorou, não queria lhe falar, depois daquela confissão estúpida de bêbado. Mas ela disse que você era profundo, logo em seguida, e você se lembra de quando a beijou suavemente e lhe disse que era linda. Maria e João haviam se encontrado em frente à livraria, Maria confessou que se achava feia e solitária, uma linda alma torta, João a beijou e lhe disse, você é linda e merece ser amada - permita-se amar, portanto. E Maria foi para longe, João voltou feliz para casa, porém apreensivo. João se engasgou em seus próprios questionamentos. Quantas solidões são necessárias para preencher o salão de festas? João foi na casa noturna, não queria, mas era aniversário da amiga, não queria mas foi, divertiu-se, apresentou-se bem humorado. Até que Maria apareceu. Ficou bêbado, lógico, sentiu-se tão ridículo perante a majestade resplandecente de Maria que João bebeu, bebeu, para se esquecer de o quanto era insignificante. E aí se aproximou de Maria para lhe balbuciar, desculpa, desculpa, você é linda demais, só queria lhe dizer isso, estou bêbadou, vou me retirar, e saiu, e foi abraçar amigos, foi em busca do contato que tanto anseia. incapaz de admitir para si próprio, finge sempre que não precisa de nada. que pode viver sem, sempre sem, endurece o coração e faz cara feia para casais se beijando, sente inveja de juras de amor, jamais revela, jamais toca no assunto, saboreia a solidão e se afasta, não se permite, etc., ainda naquela festa, estava bêbado, Maria voltou, algum amigo gritou alguma coisa, João fez isso, isso, aquilo, e saiu, João bêbado explicou que fez isso, isso, aquilo, bêbado, Maria o puxou para dançar, dançaram, a amiga de Maria saiu para ir ao banheiro, João se aproximou dançando e então se beijaram, não se lembra como foi, Maria era linda e João sentiu-se poderosíssimo, lembrou-se que era capaz de cortejar a linda Maria, ridículo João, arrastou-se para casa, defender o direito das mulheres, não é isso?, arranjou briga com o segurança bem maior que você, deixa elas se beijarem!, para com essa babaquice!, quase apanhou, Maria admirada lhe deixou o telefone, quanta presepada, meu caro João, ainda se lembra de quando beijou Maria no bar, ambos bêbados demais, não, apenas Maria estava bêbada naquela ocasião, o melhor beijo de toda a sua vida. irradiou-lhe sensações tremendas, causou-lhe arrepios sem precedentes, lutar pelo direto das mulheres, João  abandonou e foi abandonado, foi truculento, cego pelo orgulho imbecil, você é tão profundo, João, não, não é, ainda não conseguiu despertar, respira em silêncio pela manhã, não estou sozinho, não tenho medo, não estou infeliz, ritual estúpido que repete para si mesmo todos os dias, ao menos consegue agora trabalhar sem sentir o estômago se remexer de ansiedade, sem se sentir esmagado por gases, que nojo, intumescido de ansiedade, Maria passa pelos corredores e João abaixa a cabeça, constrangido, sabe que as mulheres são criaturas superiores a ele, macho estúpido, todos os machos são lixos deprimentes cheios de si, patéticos, corja!, infelizmente sabe que, para conseguir a atenção que deseja, deve ignorar, jogo imbecil!, mas é a mesma coisa com ele próprio, se lhe chamam demais a atenção ele é quem ignora, têm de lhe dar um gelo de quando em quando, mas essa palermice não é uma ciência exata, por vezes João ignora também quando Maria lhe ignora e não se falam mais, isto aqui não tem qualquer valor literário, está se justificando de novo, de novo, de novo, agredir antes de ser agredido, etc., você é muito profundo, João, não, não é, valores rasos, ideais deturpados, somente agora está finalmente ensaiando como agir como um homem adulto, o que diabos é ser adulto?, é fingir que é sério e não se revelar demais em público, definição desfigurada, agora adjetivou desnecessariamente, sempre faz isso, fingir que é sério, fechar-se no semblante de concentração, convicção, expansão, novo mantra idiota, adjetivos de depreciação, sempre, músicas arrastadas e deprimentes, sempre, escuridão do quarto, nossa, como ele é trevoso, olhou Maria bem nos olhos, você é muito profundo, João, não, não é, mas ao menos se permitiu sorrir por alguns instantes.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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