Estamos aqui novamente porque nos expressamos mal.
Os portões permanecem fechados, mesmo que João arranhe os dedos até sobrar ossos. Os portões continuam fechados. Talvez se Joaão se afogasse em água gélida e se petrificasse o sangue, talvez houvesse algum alívio. Talvez. Ou esquartejar a própria alma não seria suficiente. Nós nos expressamos mal. Aponta-nos o dedo e nos dilacera com palavras, da mesma que dilaceramos aqueles que nos tenham contrariado. Acompanhou até a casa, João mal sabia o que desejava, talvez um toque de algum desejo incompleto, talvez a pureza de um afago azul, talvez desmembrar a própria vontade de acaraiciar-lhe os seios. Sempre volume, busca sempre o volume da maternidade perdida. Havia sangue pingando de seus lábios, havia obsessão no olhar de sua tocaia. Expressamo-nos mal, João de chicote na mão, expressa-se mal. E alguma culpa fedorenta permite-se corroer, enquanto persiste na pretensão de carregar sozinho a benção do peso do mundo. Ainda insistindo com velhos assuntos. É capaz de admitir seu verdadeiro desejo? Finge-se feito de pedra, oculta seus reais desígnios. Forje sua própria malícia, entregue-se aos seus caprichos. Jamais. Aguarda pela conclusão do ritual de passagem, acredita que tudo mudará quando verdadeiramente tornar-se um homem adulto. Mas pode ser uma ilusão. Foi hospitalizada outra vez, culpa-se, culpa-se sempre, mesmo tendo cumprido todas as suas responsabilidades, mesmo pelos anos e anos infelizes em que se anulou e abriu mão de todos seus objetivos para só só cuidar dela, abriu mão de tudo e atrasou seu percurso, anulou-se, mas foi hospitalizada outra vez e se sente culpado, não foi bom o suficiente, nunca consegue ser digno, não foi grandioso o bastante para curar todas as feridas do mundo, sente o peso, deveria fazer mais para ser mais, mas se acovarda perante as dificuldades, não se acovarda realmente mas sempre acha que sim, cobra-se e se chicoteia, reveste-se de penitências, nunca serão suficientes, não consumiremos mais a carne sangrenta daqueles que caminham, não mais, João senta-se no lago para relembrar, penitências, chicoteia-se, o que é o amor?, Maria perguntou-lhe, o que é o amor?, já amou alguma vez?, João não tem o direito de responder, com Maria viveu e tentou, a ela se dedicou, e com ela dividiu a vida anulada, anulou-se por anos para cuidar, mas foi hospitalizada outra vez, cumpra suas responsabilidades!, seja um homem de verdade!, tem de superar seu ritual de passagem, tem de superar, ou esta vida miserável não valerá a pena, expressa-se mal, perguntam-lhe o que fará do futuro e qual é o plano B, não há planos, não há esquemas, apenas um único objetivo, um único, gostaria de compartilhar, gostaria de abraçar Maria, mas se tortura, causa mal, pressiona da mesma forma que leh pressionaram, não tem esse direito, não pode exigir nada, gosta de Maria, gosta na mesma intensidade de raios solares evaporando os orvalhos das trevas de ontem, é muita escuridão para guardar sozinho e você finge que gosta!, Maria com ele ralhou, João não tem o direito de pressionar, não tem, não é digno, tem de cumprir o ritual de passagem, perguntaram-lhe, você deseja realizar esse grande objetivo seu para ser amado, não é isso?, entendemos o óbvio, ainda que nos isolemos no calabouço, cospe na maioria e os despreza, são apenas gado, são seu alimento, quem você pensa que é para exibir tamanho despeito, acovarda-se sim, não sabe como lidar com Maria bem diante de si, você já amou alguma coisa, meu caro João, lembra-se daquelas noites em que efetivamente viraram magma, efetivamente, jamais esquecerão, mas brigaram, digladiaram, consumiram-se por causa de besteiras, quanto mais se apegavam mais desapareciam, agora a nova oferta, poderia virar magma outra vez, poderia, pressiona e se perde, aceite o companheirismo e galgue um degrau de cada vez, um degrau por vez, esperança inútil, então se joga apenas para seu rito pessoal, um dia irá conquistá-la, quem tem o direito de dizer isso?, mesma ladainha outra e outra vez, sim, Maria, amamos, sim, duas vezes, intensamente e para todo o sempre, mesmo que nada haja hoje, amou as chamas que se entrelaçaram por longos anos e a terra que balançou por intensos meses, e nada mais, nada que qualquer recente saiba, não foram duas vezes somente, não se reduza, havia Maria de antes de tudo que conehcemos, e nunca mais a vimos, não sem antes os toques dos lábios, o calor de serpentes se devorando em fúria, havia Maria no salto para o abismo de águas geladas, profundezas de escuridões sinistras, para a cama que nos dilaceramos, habia Maria quando sangramos em silêncio de afagos proibidos e nunca dantes revelados, havia Maria até mesmo nas insignificâncias de criancices deprimentes em tocas abandonadas por amores pretensiosos e inacabados...
...e então o que faremos com este nosso amor inompleto, meu caro João? Pois Maria do amor não-consumível pergunta: você por acaso já amou toda a escuridão de carregar nas costas o egocentrismo do peso do mundo?
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