segunda-feira, 2 de julho de 2012

O cristal desnudado


Os pés protegidos por uma leve camada de couro passeiam pelo asfalto visitado toda semana, sem que se lembrem da referência que os impedia de desviar do caminho quando a necessidade era irremediável. Todas as cores que habitavam por poucos instantes os penetrantes olhares que a ele eram dirigidos eram remotamente familiares, porém algum elemento havia se deslocado e impossibilitado o seu rastreamento, mesmo pelo visitante assíduo da tremendamente curva alameda. 
As placas que sinalizavam locais onde era possível estacionar lá permaneciam, entretanto a falta de contraste com o fundo da tela fazia com que  sua presença fosse carregada de pouca autoridade. O gosto do pão francês se lançava ao vento, em uma tentativa de se revelar independente, mas as vozes que o compuseram não eram mais vítimas dos olhares dos compradores e transeuntes. 
A mão levemente suada do observador se adiantava para capturar a essência da atemporalidade no repleto esquema proposto por portas entreabertas, pálpebras semicerradas e janelas recém descobertas. O vento adentrava sem aviso a garganta seca do andarilho, como se tentasse admitir a familiaridade perdida que a visita dos rastros abandonados provocava. Era definitivamente uma invasão, no entanto ela era premeditada. Não houve interesse em se colocar obstáculo para a descoberta da anti-superação. 
A invasão do desconhecido era inevitável, e cada vez mais frequente. Os olhos do observador eram os mesmos, porém agora se encontravam retesados, em permanente estado de anestesia, insensíveis a possíveis mudanças na pressão ou na temperatura. 
O sujeito completamente indiferenciado sobrevive em meio à alameda que um dia se apropriou de sua vida, e que agora era vítima da apropriação indevida dos terrenos anteriormente pertencentes a olhos impressionáveis. A calça mais curta do que a etiqueta ditava se molhava nas gotas que se reuniam em poças realocadas periodicamente. 
A água era imutável. Um sorriso breve recai sobre o semblante anteriormente controlado e parcamente afetado pelo forte vento que cedo retornava. Tufão.

*Escrito por Fernanda Marques Granato.
*Esse texto está protegido pela lei de direitos autorais. 






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