terça-feira, 26 de junho de 2012

Idiotices do João [16]

Há um silêncio escuro no passado.
Chovia forte certa vez, e aí que de súbito várias torres se elevaram, rasgando o solo como se fossem espinhos brotando da terra, e cresceram até atingir os céus. João não poderia escalar todas aquelas torres, ou pelo menos era nisso que (des)acreditava. Maria estivera ali, ele se lembra, tantos anos se passaram, mas ele se lembra, aqueles anos anteriores ao passado conhecido que os mais velhos conhecidos de hoje conhecem. Era uma época de sonhos e bem-aventurança. João sonhava em se tornar um astro! Maria estivera ali, sorrindo, enquanto se preparava para escalar as torres. Não vai acompanhá-la, João?
João perambulou muito pelas terras indispostas da descrença. Fingia para si mesmo que se elevaria para além dos céus alados, mas em seu íntimo se apequenava nas incertezas de seu medo. Tanto lhe falaram que jamais seria algo além de um pateta estranho, que jamais suportaria o peso da divindade, que se encolheu na insignificância que lhe era confortável, ao mesmo tempo em que sonhava com os reinos além do horizonte. Maria deu-lhe a mão, era só segurá-la com firmeza. Só isso.
Separou-se de si próprio enquanto olhava. Separou-se. Quantas chegas pretende remontar? Sangrava horrores de incapacidades, não conseguia tolerar a própria multiplicidade de talentos. Acovardou-se. Não conseguiu desenvolver o que tinha de melhor, que era tudo o que lhe dizia respeito. Não conseguiu encarar aquela Maria poderosa e resplandecente. Queria mesmo atalhos? Incapaz de erguer a cabeça e olhar para os céus, já que andava somente olhando para o chão. Então como diabos conseguiria escalar todas aquelas torres ao lado de Maria? Ela lhe sorriu muitas vezes, muitas vezes mesmo, por que está lembrando disso só agora? Nunca contara para ninguém, nem nunca a contara entre as mulheres que teve. Porque nunca a possuiu. Beijou-a, sim, tocaram-lhe os lábios, afagaram as mãos, passearam no carro dela. Ela dirigia bem, e estava disposta a levá-lo para qualquer lugar. Inclusive para o alto dos céus alados. Então, por que diabos João fugiu de Maria?!
Não há buraco no chão que possa mensurar tamanha vergonha. As torres desabaram todas assim que Maria as escalou, e hoje está inalcançável. Só conseguirá tocá-la, mesmo que de leve, se conseguir estourar toda sua energia de tal forma que atinja um estado próximo a de um ser composto só por pensamento. Sua alma agora está mais forte, mas a que preço? O que nos adianta brincar com crianças que hoje têm a idade que você tinha naquela época das torres? Como pode exigir de uma garota que seja mais forte que os alicerces da terra se você próprio fracassou em arder sua cosmo-energia além de qualquer limite? E seus limites eram imensos, e você se apequenou, e se escondeu em suas noias e tramoias, e perdeu Maria para sempre. Aquela Maria original que se encontra aos pés dos tronos dos céus, sim, pois sua cavalgada gloriosa ainda não terminou. E o que interessa o que veio depois? João só se envolveu com paródias de sonhos, com cinzas que não passam de simulacros da glória real que deixou para trás. O que nos adianta agora divagar essas tristezas na escuridão solitária? Diga-nos, João, de que nos adianta?!
Afaste-se. As tolices ficaram para trás, e ninguém nunca mais saberá. Os conhecidos de hoje não conhecem a história. Fracassou tremendamente, mas só tomaram ciência de sua existência na fase intermediária de decadência. Agora, reveste-se de corja, e de anjos caídos como você. Não, não são caídos, uma vez que interromperam o processo de ascensão. E somente esses que viraram as costas para a grandeza que lhe abriu as pernas sabe o que se passa. Então José entende, não? Abraçam-se, os fracassados, ansiosos por uma nova chance de ascensão. Conseguirão, cada um a seu tempo.
Pois então é nisso, não é João? Recolher os cacos, e beijar o chão humilde que o acolhe. Pois terá de aprender, ainda mais, até que novas torres se elevem, para serem escaladas até os reinos dos céus.
Será que verá Maria novamente? Improvável... mas não impossível. Mas é tolice contar com isso. Novos caminhos se abrirão, e novas possibilidades... até lá, esteja atento. Sempre atento. Não se feche demais....
Fechar. Fechar. Fechar. Trancafiar. Ainda não terminamos. Então. Fechar. O que se sente aqui? Não sabemos, não se descreve em palavras. Parece insignificante todo o resto. Por que se incomodar? Falam tantas besteiras desinteressantes, aborrecem-se por tantas porcarias... senhor arrogante que julga conhecer o coração humano. Já cometemos este erro antes. Mas não haverá envolvimentos. Especialmente com crianças. Crianças ainda têm de aprender por si próprias o inferno que as espera - o que se passa aqui e agora não é nada. É capaz de respeitar o processo alheio? Não entendeu, porque insiste em olhar cada vez mais para si próprio, ou para os poucos que julga semelhantes. Melhor assustar e afastar. Estamos confessando algo? Parece auto-retrato, há alguma estupidez em querer enxergar algo aqui além do que foi dito? Tolices, insensatez. Para vencer num mundo insensato, é preciso ser ainda mais insensato. É capaz de explodir suas chamas pleno dessa convicção, meu caro João? Na verdade, não temos mais nada a perder. Mantenha-se afastado, para não queimar quem nada tem a ver com isso. Somos um excesso, somos uma onda de fogo ansiosa para bater suas asas flamejantes até o Sol. O Sol que deixamos para trás quando viramos as costas para as torres. O passado assombra nas lembranças, naquele tempo anterior aos conhecidos de hoje. Por que preferiu se acomodar nos gostos confortáveis e nas vidas preguiçosas que conhecemos naquela época? Hoje se casaram, a maioria deles, e parecem se arrastar em vidas monótonas de casais frustrados sem mais nada a realizar na vida. E então procuram João para se relembrar daquela glória que nunca buscaram. O que adianta apenas se divertir desse nosso entretenimento chamado João, que ainda sonha tolamente em ir além? Serão deixados para trás, já foram ultrapassados, apenas não foram esquecidos. Nos reunimos com eles, pelos velhos tempos, embora não tempos anteriores aos tempos da Maria original. Não pense nela, está além de seu alcance agora. Você imaginava que estaria hoje respirando na escuridão e beijando o chão humilde que o acolhe? Imaginou? Diga-nos, João?!!?

Está bem. Olhe para cima. Um dia, alçaremos voo com nossas asas flamejantes, para além das torres do céu, até alcançar o Sol. Até alcançar Maria.



**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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