terça-feira, 26 de junho de 2012

Idiotices do João [17]

- Tua arrogância me irrita! Como alguém pode se achar tão superior aos outros?!

Deveríamos gritar. Só que o fôlego está em fogo brando. Uma ilha passa rente à nossa cabeça, voando baixo, enquanto melancias saltitantes guincham a cada salto mortal que executam em pleno ar. Quando se retirou para dentro do ônibus, bufava intolerâncias, as mesmas intolerâncias odiosas que destilava para dentro de si enquanto os moleques discutiam acerca de paradigmas e vícios da sociedade. Pareciam acreditar que estavam prestes a decidir os rumos do mundo. Gostaríamos de gritar, mas não podíamos, pois estávamos preocupados demais nos segurando para não vomitar as próprias entranhas. O caldo cerebral fervilhava odores podres de ressentimentos e frustrações, de sonhos não realizados e vitórias natimortas, enquanto o som de trolls grasnando preenchia os ouvidos com suavidades brutais. Ao menos nos acalmamos ouvindo essas canções que todos os demais odeiam. Pretensões, sempre nos lambuzamos com pretensões. Não há lugar para insignificâncias sem sentido, na verdade, não há nada, nada em lugar nenhum, então por isso preferimos observar aqueles coelhos rosados com asas de morcego voando por aí e cuspindo fogo.

Quando João sentou para cruzar as pernas, percebeu toda a ineficiência da criação. Uma poeira em grãos possuía mais significados. Arrogâncias em forma de tentáculos, os quais chicoteavam um ego imperfeito, um ego repleto de buracos e arrependimentos. Deixou para trás a escada que levava para os céus, e se apequenou na lama imunda que lhe era confortável. Pelo menos era quente e aconchegante... mas agora não há aconchego que o sustente. Olha para todos os lados e só enxerga vermes - os mesmos vermes que celebram sua existência como leões, dignos em suas lutas particulares para existir e tornar seus sonhos realidade. Menospreza todos os outros que não você próprio para se esquecer da própria insignificância. Quantas tentativas foram desperdiçadas? Os excessos se contraem, assustam os que estão ao redor, os defeitos se lambuzam com novos fracassos. Alguém enxerga alguma luz nele, João se lembra, quando aquela velha monja lhe disse que era como Lúcifer: viva imerso na escuridão de sua arrogância e estupidez, mas na verdade ansiava pela luz do amor e compreensão, e uma luz real carregava dentro de si. Se tal luz existe, para quem você a mostrará, meu caro João? Pois sabemos que fracassou miseravelmente na última tentava, e o braço esquerdo de trevas gargalhou alto durante as noites solitárias. Vamos respirar.

Quando olhos foram fechados, o que significam os sonhos com mulheres que nunca vi e os encontros que nunca acontecerão? Em segredo deseja o toque daquelas aventuras, daqueles passeios pelo mundo, acompanhado apenas de uma parceira sorridente, para trocarem a livre experiência de gozar a existência. Mas há complicações, sempre há. Almeja pela simplicidade, mas se traveste com lençóis grossos de complexidade ridícula e espalhafatosa. Para quem está representado, meu caro João...?

As estrelas sorriem com doçura. Mas não para você, suponhamos. Um afago seria interessante, um aperto de mão ou um abraço. Mas não se permite tocar por seres inferiores. Um linguajar malcriado, uma visão ultrapassada, um temor ancestral. O coração já foi feito em pedaços tantas e tantas vezes, por que o medo de sangrar mais uma vez? Enganou-se e enganou crianças hoje e mais um mês atrás. Por que brincar com sentimentos de outro alguém que nunca tocará sua alma? São crianças, ainda por desabrochar, ainda por descobrir o que é estarem vivas. Não eram Maria.

Maria não está em nenhum lugar. Maria não existe mais.

Vai respirar e vomitar mais tolices. Vai ouvir o que outros consideram desagradável. Mas por que o conforta tanto? Aqui está um troll berrando, ou um ogro, gritando com a voz de uma garganta apodrecida, enquanto o ritmo de arrasta numa espécie de procissão fúnebre e sinistra. Por que se sente confortável com som que anuncia o sofrimento de eras passadas e o dilaceração da alma? Por que aprecia que seu espírito seja despedaçado pela tristeza de nunca ser amado por uma Maria que nem existe?

João sente a chuva fina encharcar-lhe a fronte. As ilhas continuam flutuando em velocidade inconstante, rumo a lugar nenhum. João se encosta numa árvore escura, fecha os olhos e aguarda pela parada na próxima estação dos fracassos fumegantes e ridículos.



**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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