sábado, 2 de junho de 2012

Idiotices do João [10]

João chegou em casa, muito bêbado, escrevendo de qualquer jeito, nada entendendo, frustrações se acumulando, sempre, tema repetitivo, entre outras coisas, Maria rejeitando-o, problemas com rejeição, seu trouxa?, Maria agarrando-se com outro, João mede o cara, um barrigudo nojento, João contempla a própria magreza, considera-se esbelto, acha um absurdo mulheres às vezes preferirem barrigudos feios, acha uma afronta Maria cair de amores por um imbecil qualquer que ainda se veste mal, além de ser barrigudo, João não entende, tanto charme que jogaram-lhe em cima, João queria algum colo, talvez, jogou-se no trabalho, ou melhor, não era trabalho e sim seu projeto pessoal, era trabalho, mas trabalho agora considerado não era, não dava dinheiro, pelo menos não agora, tinha de acreditar que um dia daria certo, repetia para si próprio, num mantra louco, "um dia, serei uma pessoa incrível", repetia todas as vezes, tinha de se agarrar a essa certeza para fingir que viver valia a pena, mas acreditava mesmo, dedicava-se ao seu projeto de alma, minuciava-se, tinha de dar certo, a vida tinha de ter algum sentido além de todas essas baboseiras de sempre, abre o twitter e todos todos TODOS fingindo que são cool, inclusive ele próprio entrando na dança, sente-se ridículo ao lembrar, todos ocultando suas fraquezas e carências atrás de piadinhas babacas e frases de efeito, e o pior é que ele próprio menospreza os que são mais sinceros e demonstram publicamente suas fragilidades, então submergiu às anteriores retrocessos, lembrou-se do que poderia ser, sempre almejando ir além, além de onde?, o que mais há além?, sonhando com inutilidades, sentindo falta do que nunca teve, inútil, acreditando em qualquer besteira que a Maria lhe fala, acreditando que é possível, jamais será, jamais terá, ainda lhe jogam na cara que faz birra por não conseguir o que quer, cambaleia bêbado na rua ameaçando transeuntes, sente-se pequeno, sente-se fracassado, tentou tentou e não conseguiu, só queria ser alguém, esforçou-se tanto em ser alguém e agora sente-se vazio, olha o mundo ao redor e nada lhe faz sentido, pessoas adorando outras pessoas supostamente geniais, supostamente inspiradoras, porque escreveram um livro foda, um gibi foda, porque apareceram na TV, João olha e pensa que não queria ser um mero fã, não queria ser apenas mais um, que sentido faz isso?, falam pra ele pegar todas as garotinhas, todas as novinhas, e aí ele se pergunta, pra quê?, que ganho isso trará?, João pensa, quer ser uma pessoa incrível como todas essas que são adoradas, porque só assim esta existência inútil faria sentido, pode contribuir, pode sim, quanta criatividade fervilhando aqui, quantos mundos fantásticos se remexendo nos calabouços de sua mente, quer apenas compartilhar com todos, quantos anos treinou em solidão para hoje poder se expressar muito bem?, mas a solidão o acorrenta, sente-se estranho perante outros, Maria o convida para jantar e ele recusa, para quê?, para apenas mais uma trepada rápida e nada mais?, que ganho isso trará?, falam pra pegar todas as novinhas e ele não sente mais vontade, sabe sim que é bom no ofício sexual, sim, é, essa palhaçada da qual todos se gabam, nossa, homem que é homem tem de comer gostoso, sim, renega essa palhaçada, mas faz bem, ou pelo menos tem essa ilusão, ou pelo menos Maria nunca reclamou, sempre voltou para procurá-lo, mas ele não queria mais, desejava que Maria fosse sua rainha, mas agora é ela que o renega, diz que quer mas não quer, João entende a confusão, ou pelo menos acha que sim, sabe que Maria entregar-se-á a outro, porque é o que sempre acontece, exceto com ele, tenta se reconciliar consigo próprio, mas é difícil, se conseguir finalmente lidar consigo talvez consiga lidar com o mundo, os empregos fecham as portas e ele se sente cada vez mais excluído, cada vez mais isolado do que chamam de mundo real, refugia-se em seus patéticos mundos fantásticos, cada vez mais brilhantes e aberrantes em sua mente, sente-se para a eles se dedicar, nem percebeu Maria do seu lado, nem se deu conta, mais tarde teve de aceitar Maria agarrando-se com um outro, um barrigudo desses qualquer, João volta cambaleando para casa e ainda tem tempo para discutir com Maria pela internet, ela sabiamente se calou, João recolhe sua insignificância, fecha os olhos e dorme. 


**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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