Faltava-lhe intensidades.
Talvez se fumasse um cigarro. Detestava a fumaça, mas o cinema e a TV sempre queria fazer parecer legal. Não lhe importava, já se matava de outras formas. Tentou se lembrar. As intensidades que deixou para trás. Quantas vezes agarrou Maria com ferocidade? Sentia-se meio ridículo pensando. Tinha desejos. Criticava todos os que se entregavam sem nem pensar. Mas era o que queria fazer. Era o que fazia, quando lhe davam a oportunidade. Levantou-se, estava desempregado, fracassou outra vez. Levantou-se e se lembrou de o quanto vagou na madrugada, incerto, desgostoso, prestes a morrer. Gostaria, talvez, nada parecia valer a pena. Dramático. Brigara com Maria outra vez, pra variar. Fora uma tempestade de palavras. Quantos socos na cara eram necessários para aprender? Ninguém jamais o salvaria, teria de se virar. Naquela faculdade de sempre acenam-lhe, com totalidade, chamam-lhe o "porteiro". Suporta poucos, finge que se importa, da mesma forma que finge que é gente. Carros passando antes, com pressa, crianças saem da escola e mães passam longe, com medo nos olhos. Quantas lembranças de quando era pequeno? Foi-se há muito. Quantas madrugadas mais? Na infância corria pelo campo, sentia-se grande, era magro e alto, era carismático, era o maioral. Mas e quando trocou de escola? Prefere não lembrar, vergonhosamente se escondia. Maria ridicularizava-o, embora tivesse beijado-o na bochecha na escola antiga. Nunca entendia. Quebrava-se agora, enquanto cambaleava, quase bêbado, pela madrugada. Melhor se bêbado verdadeiramente estivesse. Quantas vidas teriam de lhe fazer sentido para que entendesse? Seria uma delícia, se fosse. Com Maria aconteceu, tenta se lembrar, como naquela vez em que ela saiu do banho, João estava lendo na cama, ela saiu enrolada na toalha, e aí o João possesso pulou de uma só vez e desnudou sua amada Maria e a olhou de cima a baixo, prestando em cada gota que escorria, olhou nos olhos dela, ela queria, se aproximou agora devagar, para acariciar-lhe o rosto enquanto começava a beijar os seios, bem devagar, a língua rodava os biquinhos em sentido horário, alternando com o anti-horário, de acordo com as pulsações do corpo de Maria, João descia as mãos para as ancas, trabalhava sem pressa mas com precisão, arrepiava-se, mais importante eram as reações e os gemidos de sua querida, proporcionar-lhe prazer, envaidecia-se de estimular uma mulher, sentia-se poderoso, começava a pulsar ele mesmo, o membro endurecia na proporção dos gemidos de Maria, a mão desceu até o sexo dela, os dedos começaram a tamborilar nos lábios inferiores, procurava o ponto de estímulo e se concentrou nele com a mão esquerda, enquanto a mão direita brincava com o seio direito enquanto a língua brincava com o esquerdo, trabalhava devagar e com calma, Maria crescia, ofegava e se agigantava, já quase gritava, suor tão quente que quase parecia evaporar, sentia a alma transbordando, espíritos sobrepujando corpos, corpos que já se mesclavam ignorando as sutilezas, deixou para lá os trabalhos minuciosos porque Maria soltou aquele grito de gozo, agarrou-a com gosto e se engalfinharam, penetrou-a cheio de vontade, repleto de fúria, e ainda assim prestando atenção extraordinária para não machucá-la, jamais machucaria Maria, embora arranhasse-a e ela gemesse em resposta, e ofegasse com a vontade da penetração e puxasse João cada vez mais para junto de si, como se pretendesse devorá-lo, como se desejasse do fundo do coração que fossem um só naquele momento, as almas já tinham se mesclado fazia tempo, e Maria berrou, salve-me!, e então João acordou, estava babando na aula, rosto suado, havia se afundado em lembranças, quase se afogou, estava ofegante e estava zonzo, a professora percebeu e agitação e lhe olhou estranho, João desconversou e sorriu, sentiu-se meio ridículo, completamente ridículo, a aula seguiu e João não prestou maiores atenções, estava zonzo ainda naquele estado meio onírico, meio erótico, sentiu-se estúpido e saiu pelos corredores, desejava Maria, quantas vezes fosse necessário, mas a era das simplicidades foi-se há muito, a brincadeira já tinha acabado e João ainda estava no playground, ou nem tinha descido ainda, ou não se entendia quando Maria disse tardiamente que gostava dele, mas estava agora do outro lado do oceano, o que lhe adiantava?, amores não consumados, jamais se tornariam realidade, que lhe adiantava lhe confessar agora?, João fumava o cigarro imaginário em meio à escuridão e pensava, tentava se estimular para seguir adiante, Maria queria-o no cargo, propagandeou-o para a chefe, mas a chefe dele não gostou, não suportou, todas queriam-no, ao que parece, mas a chefe Maria Suprema não foi-lhe com a cara, vetou-o, Maria se entristeceu, pediu desculpas, despediu-se, e João sentiu um lixo, um derrotado, fracasso, mais um insucesso para a coleção, a vida endurecendo sua couraça, quanto mais teria de suportar da realidade?, detestava-se, chicoteava-se em silêncio, chorava no íntimo, não adiantava, apequenar-se não lhe traria resultados, teria de reagir, teria de se levantar e tentar de novo, de novo, de novo... até conseguir, sim. Reconciliou-se com Maria, portanto, aparentemente, tentava não se esperançar demais, em seu íntimo beijou-a, na sua imaginação abraçou-a com toda força de seu ser, para protegê-la das mazelas do mundo, e para proteger a si próprio do que ainda sentia por ela, e então seguiu o seu caminho.
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