Às vezes queria poder ensurdecer o mundo para me tornar totalmente incapaz de saber qualquer ranhura fora da adaptação padrão. Queria poder sentir toda a explosão da falta de som no ar que me circunda. Queria poder sentir o mundo ensandecido na palma da minha mão. Queria poder saber que tudo está quebrado, mesmo os recém-descobertos vidros fora de linha. E que todos vivem cada última parte como se fosse a primeira.
Cada som como se fosse o primeiro a vibrar no mundo auricular. O fogo se alastra em meu interior, e tudo que sei é que nada vive no mundo sem ruído. Preciso do ruído. Preciso dele para me dizer que habito um novo dia na nova congregação de sem-escudo. O escudo me foi roubado, não me lembro onde. Só o tempo importa. A localização é sempre alterada por outras percepções subjetivas, por isso nunca me guio por meios físicos. A física nunca me foi útil. Até recentemente, quando no domingo certeiro o sino deixou de se impor ao ar circundante.
A voz que saiu repleta de presença na freqüência com certeza não era minha. A postura me foi polida por ares irritados, e fui forçada a retrair-me, de forma que nunca soube exatamente qual era a minha elucidação dos fatos ao sabor do som que não mais ouvia. A secura e a imprudência foram altamente votadas, e eu não era contada, pois nunca poderia marcar aqueles cartões com a gravação dos meus pré-rastros que nunca, realmente, existiram. Eram a desmaterialização. Sempre foram o projeto.
A nuvem que me circundou não sabia do que eu era totalitariamente composta e do que nada fui constituída, então essa neblina não se ocupou de mim por muito tempo. A floresta me abarcou por completo, e eu não tinha sido previamente orientada. Deveria olhar as folhas que meus pés incautos amassavam com o percorrer inconstante dos longos terrenos há séculos desabitados? Deveria separar a visualização em instrumentos e palavras soltas sem melodia? Como poderia, sem a bendita e mal-fadada audição da qual nunca fui portadora permanente? A audição me deixava sem amplitude. Eu mal resguardo meus pudores. A floresta me encobria e se unia pouco a pouco à noite que se avizinhava. Estava eu aninhada por duas desconhecidas. Como deveria proceder sem os entalhes na madeira? Precisava dos fonemas. Precisava da oratória. Precisava do calor. As duas gotas que me avisaram do erro no mapa queriam poder conhecer a minha alternativa para o mundo entorpecido no qual ninguém poderia ensurdecer.
A questão é que eu não aprendi a projetar, a lançar sons no mundo ainda-para-ser-construído. Não sabia existir no vazio. Nunca soube.
Que o rio venha, eu lhes disse, para que todos saibamos a quem aguardamos.
Flor redobrada ao meu redor. Só tenho a redirecionar o olhar.
Estou presa em uma perspectiva.
Peço a qualquer formiga desatenta que me dê a sua visão terrena da floresta, pois a minha se perdeu na última enxurrada.
A chuva era esperada.
A minha presença era inadequada.
Todas as flores murcharam diante do meu olhar.
Elas eram de plástico.
Sempre vivi na vitrine.
Quem tiver o mapa correto, favor contatar o sonhador mais próximo.
Não há mais sonhos para serem sonhados.
Só a realidade mesmo.
*Esse texto está protegido pela lei de direitos autorais.
*Escrito por Fernanda Marques Granato.
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