– Ah, eu quero, João... – disse Maria no seu ouvido.
A voz dela era sensual. O coração palpitou forte. Fez um esforço enorme para não tremer. Era uma sensação semelhante de quando fez aquela prova, João se lembrava. Havia estudado um monte, indo todos os dias para aquelas aulas de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Tributário, Eleitoral, Finanças, Corregedoria, Alegoria, Baboseira, Idiotice; tinha ido a todas as aulas, camisa de botão pra combinar com o resto da sala, os coleguinhas de turma, alguns de terno e gravata, cabelinhos cortados, todos olhando atentos, professor com ar muito sério e afetado, vomitando importâncias inexistentes, a matéria de Direito e documento, não corresponde a objeto factível de planejamento condizente com o artigo referente à cláusula, registrava-se em todas as aulas, a secretária era magrinha e até bonita, tinha lhe mostrado a tatuagem no cóccix, aliviava-se no banheiro pensando na secretária e na loirinha que sentava à sua frente, imaginava-as sem roupa, depois se lembrava de Maria, estudava com afinco para que pudesse ser um homem de respeito perante os olhos de Maria, concurso público então, decidiu e foi firme, matriculou-se num curso desses qualquer, sacrificou todos os fins de semana por seis meses, Maria saiu nas baladas e beijou aquele amigo seu, João estudava decidido, a emenda do juizado de oferendas à banalidade decretou que é inválida a portaria do menisco referente ao tédio esmagador que o faz dormir em sala, João esfregava os olhos, mais três semanas para a prova e ele havia decorado os artigos que iam cair na prova, decorou todos e sorriu, Maria foi para a cama com aquele seu coleguinha do colegial que você odeia, João sorriu e foi pra prova, coração palpitava forte igualzinho palpita agora, em que Maria sussurrou no seu ouvido, ah, eu quero, João!
As mãos suaram enquanto o sol trocava de posição com as nuvens. Na mesma manhã havia caminhado solitário pela pista de concreto, o cheiro verde da grama ronronava-lhe as narinas, árvores altivas não lhe davam muita atenção, ônibus entediados vagavam no asfalto, era só o João no cinzento da calçada, pensando com desprezo na mediocridade de sua existência, fazendo caretas enquanto ninguém olhava, andava simplesmente sem se dar ao trabalho de fingir que não se importava. As provas foram todas um fracasso, um grande fracasso conjunto separado em seções de fracassos particulares, estudou um inferno e nunca conseguiu gabaritar uma única avaliação, foi assaltado por aquelas perguntas esdrúxulas de prova, aquelas que existiam apenas para eliminar, o que diabos é um lustro?, lustro, lustro, lustro, o que significa o verbo oscular?, gostaria de oscular Maria, com certeza queria, seria um homem sério e decente se tivesse conseguido passar, estaria ganhando um certo dinheiro num emprego maçante e estúpido desses qualquer, acompanhado daqueles de sua sala, camisinhas de botão com terno, mãos no queixo e cara de conteúdo, estamos aprendendo, o professor banalidade ensinado a idiotice judiciária da ocasião, vomitando importâncias inexistentes, estamos aprendendo, estamos todos aprendendo, João coçava o saco enquanto ninguém estava olhando, Maria olharia para ele, assim que fosse um homem digno, infelizmente ele não conseguiu e desistiu de continuar tentando. Ah, eu quero, João!
João se levantou, todo repleto de desprezo por si mesmo. Sorriu como um cretino, fingindo uma confiança que nunca existiu; levantou-se e olhou para o rosto de Maria. Encarou-lhe os olhos por um momento. Eram castanho-escuros, maciços de vida e sólidos de convicção, ah, eu quero, João, diziam-lhe os olhos, João olhou para os lados e fingiu graça, fingia sempre ser engraçadinho para camuflar a própria timidez crônica, tentava achar alguma saída bem rápido, mas a cabeça lhe traía as reações, lembrava-se de fracassos anteriores, estamos todos aprendendo, estamos sempre aprendendo, João usava naquele momento uma bonita camisa de botão, levantou-se, empertigou-se, ah, eu quero, João!, João virou-se de novo para Maria e, repleto de uma firmeza quase fanática, respondeu:
– Está bem, Maria, vou dar o que você quer; vou ali comprar aquele sorvete de que você tanto gosta...
– Oba! – só faltou a garota dar pulinhos.
João verificou a carteira, enquanto ia comprar o tal sorvete. Apenas algumas moedas e parcas notas. Vai então gastar o dinheiro que não tem, já que os fracassos devoraram-lhe todos os recursos. Estamos todos aprendendo.
Parte 3 - lida.
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