João olhava para o teto e tentava se lembrar. Aquele cubículo em que viveu certa vez era limpo e até decente, porém muito desconfortável. A cama era de qualidade mais barata possível, o colchão mais parecia uma tábua de passar; a janela era estreita e dava de cara com um muro escurecido por anos de sujeira. A cadeira de plástico em que se sentava já havia cedido sob seu peso, então ele passou a se sentar no chão. Olhava para o teto branco e pensava no que veio antes – e achava engraçado pensar que antes pensava acerca do que veio antes. Mas antes ele vivia com os pais, numa casa confortável e com acesso a tudo que precisasse. E ainda assim se sentia extremamente desconfortável.
Antes – antes de antes, por assim dizer – a cama era sólida e forte, o colchão era robusto porém macio, uma das paredes era vermelha, o teto ainda era branco. A lâmpada de luz branca ainda estava lá. A janela era de madeira de lei, embora houvesse uma tentativa frustrada de infecção por parte de uma trupe itinerante de cupins. Havia uma faixa de calçada do mais fino cinza de concreto, que separava aquela faixa da casa da faixa de pura terra em que se tentou plantar uma miríade de vegetais quaisquer – de tomates a abóboras, de abacaxis a batatas, até figos e feijões, mas quem mesmo gostava de ficar ali eram uns feios cogumelos sardentos. João olhava para tudo aquilo, quando era menor do que era naquela época em que se achava menor do que é hoje. E pensava, eu era infeliz e sabia disso, todos os dias; e a infelicidade virou insatisfação de sabe-se lá o que, e eu ainda não sei diabos o que estou fazendo aqui.
Então Maria deu-lhe um tapa no rosto.
– Vai ficar sonhando aí acordado até quando, moleque? Me ajuda aqui!
João se levantou. O céu soprava as melancolias típicas de dia nublado, enquanto ressoava nos seus ouvidos aquela sua música depressiva predileta. Levantou mais uma pilha de livros e seguiu Maria até o depósito, antes que os clientes chegassem e encontrassem uma livraria repleta de folhas no chão.
Lembrei disso quando João era menor do que era naquela época em que se achava menor do que é hoje: I don't know half of you half as well as I should like; and I like less than half of you half as well as you deserve.
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