segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Idiotices do João [1]

– ...simplesmente acho que não deveria fazer isso, João. Tá me ouvindo?
João ouvia Maria, atento, embora seus olhos apontassem para outra direção. Evitava de olhar nos olhos dela, para que não se tornasse evidente demais. O desejo era enorme, mal conseguia disfarçar. Só de Maria se aproximar já lhe palpitava a respiração. Tinha muito, muito medo de ser descoberto – seria ridicularizado, com certeza! – e portanto fingia indiferença tanto quanto era possível. E não é isso que todos ao seu redor fazem? Tentam se equilibrar acima de seus narizes forçosamente empinados, exageram na afetação e vomitam desinteresse naqueles assuntos que na verdade lhe causam comoção. Por que toda essa pose imbecil? Todos os que mostram um tantinho mais de honestidade são tachados de "empolgados demais" e "infantiloides", não é isso? Pois bem, Maria estava ali diante de João, ela com aquela beleza média que lhe causa um nervoso imenso, e não seria João quem iria ceder. Cheirava-a com olhares rápidos, tremia só de imaginar o toque de sua pele. Respiração insistia em palpitar, como se o coração não suportasse palpitar sozinho e precisasse demonstrar sua ansiedade por todo o corpo. Sim, beleza "média", mas suficiente. Apreciava-lhe imensamente as curvas e os cachos. O formato do rosto era adorável. O sorriso lhe causava arrepios. Média o escambau, Maria era linda! Só que racionalmente sabia que nunca seria considerada um exemplo espetacular de beleza televisiva... será mesmo? Acho que essas celebridades são todas artificiais, são pura maquiagem e photoshop. Sim, photoshop! Não acredito nessas magrezas artificiais... acho que a verdadeira beleza é essa que posso ver de perto e tocar. Sim. Como eu adoraria tocá-la! Gostaria de abraçá-la agora mesmo, beijá-la e... certo. Certo.
– Eu sempre te ouço - respondeu ele, com um sorriso gentil.
– Você é um bom mentiroso – disse Maria, com um olhar severo. – Se quiser continuar com essa babaquice, tranquilo. Essa merda de vida é sua. Quer mesmo continuar com isso?
Talvez Maria pudesse entender. Sempre nutro esperança de que alguém em algum lugar irá compreender. Mas é complicado, não é? Gostaria de ser sincero... realmente gostaria. Gostaria de me deitar no seu colo e falar abertamente acerca de todos os meus sonhos. Gostaria de poder compartilhar as maravilhas que pululam na minha cabeça, as imaginações que dançam e reverenciam todas as realidades que parecem fluir para dentro de mim. Então a tomaria nos braços e flutuaríamos para os céus estrelados, em direção à lua pálida e fluorescente, e nos beijaríamos no ponto mais alto dessa noite prateada. Eu realmente gostaria... E vou continuar querendo. Isso é lógico. Não é assim que funciona. Simplesmente não é. Caia na real.
– Está tudo bem - sorriu ele outra vez. – Não há nada com que se preocupar.
– Não há nada? – Maria se deu o trabalho de parecer incrédula. – Sério, olha pra você, João. Sério. Sem clima pra piada, cara. Não viaja. Sai daí agora ou eu te parto a cara. Sério.
João se levantou, com o máximo de dignidade que conseguiu reunir. Respirou fundo. Tentou não tremer. Apertou o botão. Desligou o videogame.
Maria sorriu.
– Ótimo, menino! Agora vamos, antes que a loja feche!
Um macambúzio João seguiu uma agora saltitante Maria. E pensava em quantos natimortos deformados haveriam de berrar para que ela realmente prestasse a atenção.


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