sábado, 10 de maio de 2025

Perda total: a revolução dos órgãos



Perda. Medo. Descontrole. Decepção. Tolerância baixa à frustração. Impulsividade. Salto no vazio. Despenco sem velocidade, só aceleração constante. 

Nem sinto a queda. Movimento incessante imperceptível. Coração majestoso, cérebro intoxicado, intrincado, inebriado que não mais me pertence. 

Não seguro mais as rédeas da vontade; sou lançada ao vento como um papel roto molhado sem controle algum de sua direção. 

Tenho que abrir mão completamente da ilusão de controle para encontrar o meu caminho de novo. 

Essa trajetória perdida é parte inequívoca de quem sou, imperfeita, esburacada, estirada na avenida, abandonada, esquecida, ignorada, irrelevante, estropiada. 

A ilusão do controle me envenenou por tempo demais, e agora mal controlo as batidas angustiadas do meu coração, a dor constante no peito, a falta de ar ou a respiração superficial neste maremoto de fogo e lava que tudo toca, mas nada queima, nada marca e nada leva. 

Permaneço nua diante do desgosto, da decepção que me envelopa, e mergulho num tufão de falências: a falência das expectativas, a dos órgãos, a da percepção sensível, a do respeito pelos outros, a da noção de limite e de todas as outras normas que permeiam nossa sociedade. O mundo se desconstrói ao meu redor, e eu derreto em poucos minutos.

Meu pulmão tenta, em vão, encher-se de ar, apenas para encontrar intercorrências e obstruções contra as quais minha força nada pode e só incomoda cada vez mais.

Percebo que perturbo, e que devo me retirar antes que o fogo me queime. Antes que seja tarde demais para tomar uma decisão. 

O incômodo generalizado, a perseguição obsessiva e a perturbação da paz pública são decretados, e sou sumariamente excluída do grupo dos sencientes que nutrem benefícios. Levada sou a reconhecer e enfrentar as consequências de minhas impensadas decisões de momentos de intranquilidade, parco autocontrole e perturbação emocional. 

Um dia o amor vai me mostrar que nada sou sem ele, não o controlo, não o possuo, nem o mereço, mas vivo por ele e para ele, sempre, ainda que em um coração inchado e inoperante com doença de Chagas. 

Caixão de memórias, vida contida no retrovisor de capítulos desaparecidos em momentos memoráveis, fases que só se revelam e tomam forma com a vontade expressa de outrem. Fronteiras, limites, espaço para viver - e para se separar - e se reencontrar. Essência livre. Respirar ar puro, e isso bastar. Ar fresco. Jardim de rosas recém-plantadas rosa antigo.



*Texto por Fernanda Marques Granato protegido pela lei de direitos autorais. 
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

terça-feira, 22 de abril de 2025

A conquista do amor-próprio OU A fuga da autoderrota




Rododentro espinhoso.
Botão recoberto por ardósia magenta extremamente curiosa.
Folha amassada em sete cantos, cinco lados e e duas parafernálias. 
Mala aberta repleta de roupas rotas.
Janela molhada permitindo a conquista do sublime.
Nada foi, tudo já é.
As extremidades são esticadas em uma espreguiçada matutina relaxada, que nada deve e nada tem a provar.
Tudo que sou já é o suficiente.
A fragrância da autovalidação e da sedimentação do amor-próprio me envolve, e quase me afogo nela.
De repente, respirar se torna a coisa mais importante.
A construção da estima por si própria independe de qualquer validação externa. 
Escolho conviver com outros, mas não preciso deles; gosto de ter companhia, mas não dependo dela para atribuir sentido à minha vida ou um valor à mim mesma.
Minha trajetória se cruza com a de outros, mas os outros não definem o meu valor, a minha relevância nem qual será a próxima esquina que dobrarei. 
Os outros, como astros no sistema solar, têm sua singularidade e sua importância, mas preciso ser leve como o vento para ser capaz de voar sempre e atingir alturas nunca dantes imaginadas. Preciso do vazio para crescer, do silêncio para me compreender, e de espaço para ter a chance de me tornar a melhor versão de mim mesma.
Afinal, não tem como amarmos os outros sem antes amarmos a nós mesmos.
Que o meu jardim de amor-próprio possa crescer um pouco a cada primavera em consonância com os outros, sem ser podado, mas sem tirar o lugar de outrem.
Sol de outono.
Vida intensa.
Amor, nutrido diariamente, por mim e pelos outros, sem desperdício de energia, nem destruição de singularidade alguma.
O segredo é a desautomatização.
O sabor da primeira manga. A primeira nadada no rio, mergulhando novamente na subjetividade do eu-tu. O infinito do tornar-se. 


*Texto de Fernanda Marques Granato protegido pela lei de direitos autorais.
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

sexta-feira, 7 de março de 2025

Fantasmagoria do amor



Amor.
Uma sombra no escuro. Silhueta. 
Corpo suado, passos e um grande copo de água. 
A água é entornada, e inunda todo o quarto que, estando no vácuo de um navio, já estava esquecido, já era molhado com uma frequência indesejada e já era sumariamente ignorado. Tumescente demais. Desconsiderado. Abandono.
A guitarra ao longe me puxava com sua suave presença, da mesma forma que um corpo poderia me deslocar de modo invertido na sociedade tradicional, e eu aceitava o convite indesejado, aceitando a intrusão, minha velha conhecida, a mãe de todos os pensamentos intrusivos negativos que acumulavam mofo em minha cabeça. O transeunte não transa, temos que pensar nisso.
Em como resolver essa carência. O desejo transbordava do olhar amendoado dela, que reposicionava seu pescoço para melhor beijá-lo. Movimentos repetitivos se tornavam toda uma sequência de contrações ritmadas e suspiros, gemidos e amores, amantes e corpos, falta de ar e vontade de fagocitá-lo. 
Cada investida dele gerava uma longa e intensa contração, capaz de amaciar até a pior insegurança. Clímax. O quarto, inundado em paixão plasmada, se duplicava em fantasmagoria insossa. Gota de chuva. Sabor indescritível.
A carruagem já estava pronta, mas ela não queria partir. Não tinha para onde ir. Tudo que importava no mundo inteiro estava entre aquelas quatro paredes - e entre suas pernas. 
Abraço. Sauna.
A porta fecha, trancando lentamente.
Doce sensação da temperatura sufocante asfixiando todos os presentes. 
Tarde demais.
No dia seguinte, a porta é arrombada.
Funcionários públicos.



*Texto por Fernanda Marques Granato protegido pela lei de direitos autorais. 
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Querer é poder



Quero levantar as paredes.
Quero sentir o turbilhão de vento dentro de mim.

A vastidão indescritível me engole por completo. As batidas na porta ficam mais audíveis, porém ninguém a abre.

Quero usar todos os cadernos, gastar todas as folhas com elucubrações mentais intermináveis que se ramificam em raios de sol e ramos de amoreira. Porque o amor é o resumo e o objetivo de tudo. Amo porque almejo amar cada dia mais em reverberações ovais líquidas que vão, gradualmente, expandindo as suas fronteiras e chamando o mundo todo de seu - pois limite é algo ultrapassado, algo a ser ultrapassado, algo a ser ressignificado. Definitivamente precisamos de uma nova acepção para esse verbete. Os já existentes não tem dado conta ultimamente da imensidão oceânica. Precisamos de mais espaço. O que fazer com a singularidade? 

Cadê o espaço que foi prometido?
Onde está toda a vontade de ser completo?
A voz ecoa, ressoa, sibilando na água doce dos pensamentos intrusivos negativos, repetindo-se em turbilhão, em furacão, em ciclone e em tufão, de modo que todas as cores se dissiparam. Nuvem de verão. Explosão solar. Impenetrabilidade. 

Quem garante, você?
Quero ser engolida por completo, quero coabitar seu corpo, quero saber a sensação da batida do seu coração. 
A gradação é minha, e o anacoluto é de todo mundo. De todo mundo mesmo. Dos mais falantes ao inaudito. Às vezes, tudo que precisamos é abrir o ouvido e fechar os olhos. Tudo que precisamos é deixar o sonho voar com asas emprestadas e depois descobrir como chegar lá com as nossas. Mergulhar na incerteza, prestando muita atenção em todas as notas e todos os acordes. 

A composição é essencial, assim como sua estrutura esquemática. 
O limite é para todos. O limite é para ninguém. 
O controle é a ilusão mais tosca em que já ousei acreditar.
Deixei que ela me consumisse por completo, como um faminto, até que sobrassem apenas duas asas sangrentas da borboleta turquesa, porque a verde-clara estava esgotada. Depreciação. Qual é a borboleta que reinicia a contagem?
Tarde demais.
Entardecer de verão.
Solilóquio de exaustão.
Solidão.

*Texto por Fernanda Marques Granato protegido pela lei de direitos autorais.
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

domingo, 19 de janeiro de 2025

O duplo e o desejo mimético - ou quem eu fui sem antes nunca ter sido


 

Meu duplo nunca vai envelhecer, pois nunca nasceu.

Não quero ver ninguém. Preciso de uma corda.

Não quero ser relembrada da minha dor.
A imitação barata da vida na arte só me traz mais irritação, frustração, apatia e decepção. 
Para que melhorar, se nada pode ser feito a respeito?

Será que aquele gancho aguentaria o meu peso?

O desenvolvimento é inútil, pois nada leva à superação. É impossível superar algo que muda fundamentalmente nosso DNA para sempre. Nunca serei quem fui antes. Nem mesmo saberia por onde começar.

Sirvo apenas para tremer e me apavorar com o mundo ao meu redor.

Sou um corpo morto em vida. 

Os batimentos cardíacos não podem mais ser registrados, pois são indetectáveis. 

Irrelevância.

Ignoro a passagem do tempo aqui de dentro do meu casulo-caixão, pois aqui ele não passa, apenas a dor aumenta. E permanece. Por que haveria de ser diferente?

Para que deixar o sol iluminar plantas de plástico?

Preciso de uma palavra-valise muito grande para caber tanta agonia, não vai caber na página, como vou fazer para publicar isso tudo depois?

Até o conteúdo de uma lixeira já foi mais majestoso que eu, pois em algum momento foi útil - ou foi gozado. Sim, gozar a vida. Uma tarefa impossível. Cansava demais tentar, já estava sem energia há muito tempo, me arrastando pela terra. Ninguém notaria a minha ausência. Não faria falta, nem diferença alguma. 

Devo ser uma inútil mesmo se não consigo nem mesmo justificar a razão da minha existência para duas baratas que se aproximam do velho colchão. Nem vou tentar apagar o fogo da próxima vez.

Será que posso ao menos ser bem-sucedida em delimitar meu fim?

Diferença nenhuma. 

Só mais um fardo de jornal usado jogado no lixo, com notícias de outra vida desvalorizada.

Seria um alívio.


*Texto por Fernanda Marques Granato. Esse texto é protegido pela lei de direitos autorais.
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Nada ficará pronto, porque o futuro já foi.


Elásticos para cabelos. Tempo. 03.02.2021. Função. Design. 

Por que as coisas têm nomes?

Porque o destino sempre pode mudar, mas o nome, não.

Por que as funções são pré-definidas?

Porque o ritmo depende do ar, então nada pode ocupar espaço sem ser útil para algo. 

Limites. Fronteiras. Definição. Restrição. Regras. Regulamento. 

A subida por vezes me pega, principalmente nas coxas, que mal têm força para se erguerem. Será que eu saberia dizer tudo? Nem saberia começar, para falar a verdade. Nem ao menos dizer o ano. Na verdade, o ano nem importa tanto. O que importa é o som daquele ano. O som ao redor que, ao se posicionar, se limita e se define. De uma forma ou de outra. Os braços também não servem para muito, pois logo o pulso cansa e nada adianta mais. Nada mais pode ser feito. Para que pensar? Será que eu poderia apenas pensar ser função? 

A esperança ocupa muito espaço, realmente tenho que ser minimalista e me livrar dela. Farta estou de esperar sentir a vontade, chegar o momento, saber a frase, pensar o conhecimento a se concretizar, não quero mais contar. Simplesmente não quero mais ter controle. É cansativo. O bloqueio também é irritante. É como se antes de fazer algo, já caísse um prédio em cima do pré-projeto. O julgamento mata a vontade, a culpa estraçalha a motivação, a rotina é defenestrada pelo tédio e tudo o que eu quero saber é o que acontece quando você se torna incapaz de sentir. Por vezes, sinto que estou perto, mas em outros momentos sinto que estou longe, pois a dor é forte demais. Sinto-me mais à vontade com a dor do que sem. A barriga é grande fonte de estresse. Ou dói ou causa suor na testa e na nuca. A nuca nunca me deixa em paz. O que fazer com o fio que sobra? O que fazer com a obrigação que bate à porta? O que fazer com a culpa que consome? Eu queria deixar a culpa me consumir para poder, finalmente, descansar. Não consigo nem fazer o que preciso nem descansar sem culpa. Sou permanentemente perseguida e torturada pela minha própria mente, que sempre prova que ainda falta e que sempre estou errada. Estou incompleta. A falta é uma constante, e nada pode ser feito quanto a isso. As caixas estão transbordando, mal há espaço no armário, eu me sinto vazia, a conta está negativa e eu só penso em pular no vazio (sem nada que me impeça de me expandir). A expansão é importante, principalmente no ar rarefeito. O café é outra constante. Parece que, para conseguir completar uma página, tenho que esquecer quem sou. Tenho que me fragmentar. Tenho que me desconstruir. Tenho que me dissolver no ar. Tenho que me misturar à transparência. Tenho que ser o dissabor e o amargor. Se lembrar quem sou, volto atrás e nem começo. Afinal, sendo uma falha, para que começar? Uma falha, sem consequência, pode se anular. Antes que a hora em que seja tarde demais chegue. O tempo é curto, a estrutura é precária, o conteúdo é fraco, tudo se desmancha na liquidez do furtivo e tudo chega tarde demais para mudar qualquer aspecto. O começo é problemático, pois como definir o começo de algo se não se sabe o que havia antes? Como saber que o que se criou é único se não se tem elementos para comparar com o precedente? Como delimitar o espaço, salientar a diferença? Como notar a falta sem conhecer a presença? Como criar uma mente tranquila em terreno alterado? A certeza do fracasso é a única coisa que me faz continuar, pois nada que eu faça terá a chance de alterar qualquer produto de minha ação, então nada devo temer, pois nada resultará. Certo? Se estiver errada, e o nada se provar como algo, então terei a insensatez para me preocupar. Bom, nem sempre. Às vezes a conta chega.



**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**