quarta-feira, 8 de outubro de 2025

INVENTÁRIO DE PERDAS

A polifonia do discurso sobre a maternidade ainda deixa de mencionar vários abismos. Antes de falecer, todos devem fazer seu próprio inventário de perdas. 

As mortes em vida pintam os maiores afrescos que podemos imaginar. Ampliadas são as ambiguidades do ser e não ser, do eu e do outro, da presença e da ausência, e da ausência que é um trem desgovernado que descarrila a 250 quilômetros por hora. 

O baque chega sem aviso, sem pretensão, sem introdução. Não diz a que veio, mas arrebata todos com seu eco. Sua reverberação antecipa o vazio no meio do caminho para o qual não temos atalho. Achamos que conhecemos o caminho, mas é uma armadilha. Uma armadilha de certezas. De atribuições de sentido a um mundo que já se foi e já é outro, já é novo, já é e ainda não, cortando demais e não o suficiente. 

Já não somos os mesmos. Afinal, cada vez que nos banhamos no rio, a água é corrente e a pele se renova com o contato com o imprevisível, com o vazio, com o risco e com a ausência de controle. Nunca serei a mesma que sou hoje. Hoje sou eu e o outro - que já nasceu e nunca foi. 

A vida não espera você estar pronto para acontecer. Ilimitado. Descontrole. Caos. Atribuição de sentido. Experiência. Trauma. Flor no asfalto. Dor da descoberta. Abertura de cárcere. Morte em vida. Flagras do cotidiano. Entalhes na moldura. Caleidoscópio de experiência pura. Enciclopédia de uma vida.



* Texto escrito por Fernanda Marques Granato protegido pela lei de direitos autorais.
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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