sábado, 1 de novembro de 2014

A cadeira de vento



A cadeira não encaixava no mapa de lugares da sala, mas estava lá mesmo assim, cumprindo presença, afirmando seu espaço, respirando fora de hora e intervalando sua estadia com sofás e almofadas há muito convidadas para partilhar. As flores que enfeitavam a mesa com seu eco de ausência um dia já lembraram alguma impressão de completude, mas agora eram apenas partículas secas, desbotadas e disformes, um pedaço dissecado da realidade puramente violentada. 
O tapete, apesar de ter sido a base de tudo, agora era relegado ao exílio, tendo apenas o pó que se acumulava no canto meio torto do chão idoso de madeira para fazer-lhe companhia. As próprias janelas descobertas pelas cortinas tinham menos indignação para mostrar para quem ousasse dirigir o olhar para o interior quebradiço de cada uma daquelas podres subjetividades. Nada mais parecia real, ou duradouro. Nada ligava nada ao mundo real, pois nada se sustentava. 
O mundo real nada mais era que um conjunto de parcas sensações físicas e galantes que um dia souberam se apresentar, mas que perderam com o tempo o seu vigor, o seu timbre e a sua cor. Perderam a força intrínseca que as mantinha unidas e agora tudo que podiam era gritar a plenos pulmões para todos os egos algodoados que considerassem visitá-las. Tudo que era passível de alcance era inútil, tão virtual quanto o cheiro de uma flor que se imagina a dez existências de distância. A casa um dia fora aconchegante, instigante até, mas tudo que aquelas malfadadas fatias de madeira mal cortada eram capazes de fazer era irrigar o ambiente de uma luz quase inapreensível pelo olhar mais atento. 
Nada havia ali para dar sentido, ou para permitir que seu significado fosse doado permanente ou temporariamente. Nada justificava a presença de cadeiras, sofás, lareiras, ausências, temporalidades, relatos ou questionamentos. Nada mais existia. O nada era tudo, e nada mais podia competir com ele. O domínio era todo dele. Furacão.

*Escrito por Fernanda Marques Granato.
* Texto protegido pela lei de direitos autorais.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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