Apesar da obviedade das observações dos
especialistas, o sol aqui era quadrangular tal como uma amarelinha. Pelo menos foi isso
que todas as janelas me segredaram, e eu nunca questionei os seus olhares.
Afinal, olhares são certezas impassíveis de questionamento.
Na rua apenas parcialmente visível,
era possível vislumbrar um carro
comercial azul petróleo estacionado na calçada. Somente metade do funcionário que
dirigia o furgão era visível, e não era a melhor parte.
Uma mulher corria atordoada em direção a
um prédio sem fundo vestindo um revelador vestido branco por cima de uma
desnecessária calça de moletom dobrada até os joelhos. Realmente era curiosa a
cena que se desvelava ali, pois uma ponta do vestido da jovem havia ficado
presa na boca raivosa de um cachorro que examinava atenciosamente o interior do
furgão e, mesmo assim, a mulher continuava determinada a entrar no edifício,
vestida ou despida, machucada ou livre dos caninos afiados do cachorro.
Uma árvore era permanentemente
entrecortada pela luz do sol, criando intermediários irremediáveis, eternos
companheiros de estadia naquela rua que tudo acatava: a sombra e a luz.
Uma cabine telefônica tinha sido colocada
de frente para uma parede, que bloqueava a porta com seus tijolos,
impossibilitando a entrada. O telefone público tocava insistentemente, sem obter
resposta para seu incessante chamado. Apesar da segunda cabine telefônica estar
acessível, o telefone estava em manutenção. Surpreendentemente, havia uma
pessoa saindo da cabine demonstrando felicidade, talvez por não ter conseguido fazer
uma ligação indesejada.
Dois minutos depois, uma sacola preta se
materializou na mão esquerda do ex-ocupante da cabine. Após devida observação,
a cabine encostada na parede se provou ser o reflexo do mundo visível. Do mundo
inteligível. Já o mundo sensível, ah, esse mundo estará sempre entre o
guarda-chuva que impedia a porta do prédio de colapsar no meio fio e o furgão
guiado por mentes habitantes do futuro próximo.
Eram simplesmente fatos do
mundo ordinário interpretados por um olhar que via cores vivas no preto e branco,
vida no incêndio e morte na bolha de sabão. Olhar do sol da meia noite sempre
viva.
*Escrito por Fernanda Marques Granato.
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