quarta-feira, 30 de julho de 2014

A casa invertida no tempo


Fazia muito tempo que o vento não visitava aquela casa. Afinal, quando visitava, era visível. A porta sempre denunciava a sua presença. Farpas se esgueiravam para fora da madeira para conhecer os andarilhos que cruzavam a sua fachada e era extremamente perceptível quando elas haviam sido tocadas pela violência do ar. 
Caso você, caro leitor, as encontre em seu caminho, não as toque, pois as malditas lhe transportarão para o seu pior pesadelo. Independentemente do cenário escolhido. 
O caminho que trazia qualquer viajante para o interior da antiga casa era convenientemente repleto de pedregulhos, porque enfrentar uma longa jornada nunca foi fácil para ninguém, e essa se provaria a mais difícil de todas, mesmo para você, caro co-autor, que me acompanha desde o início com sua vasta capacidade interpretativa. Para quem ousasse adentrar seus limites, a casa reservava momentos interessantes.
Quem finalmente abrisse as muito empoeiradas portas de madeira escurecida pelo tempo e pelo contato com a solidão dissipada pela ausência de visitantes poderia sentir o ríspido e abrupto vento que cedo declarava que aquele ambiente era dele e ninguém entraria desacompanhado.
Com a proteção do vento, era possível adentrar os séculos encadeados em suas tábuas de madeira nunca mais pisadas, em seus tijolos para sempre marcados pela respiração de cada um de seus ocupantes agora perdidos na teia do tempo e em seus móveis eternamente intercambiantes - não conseguiam se contentar com um local ou um posicionamento diante dos demais que habitavam o aposento. A mudança era a característica determinante da casa. Nada permanecia. Todas as perspectivas eram relativas e um ponto de vista só fazia sentido se você estivesse no mesmo eixo temporal. Do contrário, camadas o sobreporiam e vivalma o encontraria. Jamais. Perambular por entre sombras sem saber de que perigos desviar também não se provava ser uma tarefa fácil. 
Nem mesmo para o atual andarilho da trilha abandonada. 


*  Escrito por Fernanda Marques Granato

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