Havia uma sensação desconfortável dessas qualquer. Uma consciência de inadequação. Ao lado, ele falava apenas o necessário. Era óbvio que dispensava qualquer contato mais prolongado. Não eram amigos, eram superior e subordinado. E seu superior era um péssimo exemplo. Distraído, desbocado, desiludido. Desconcertado, descontente, decadente. Decadente é pretensão demais. Era um zé-ninguém, um coxinha desses qualquer. A que ponto chegamos, meu caro João.
Estamos sem energia. Estamos sem contraste. Estamos sem referência.
É um clima de velório. O cliente não nos quer mais. Pé na bunda corporativo. Um pouco de música para aliviar. A voz dela é tão bonita, tão doce, tão inspiradora... entregar-se à fascinação causada pela canção não vai mudar a realidade. Realidade, mundo real, pés no chão, etc. Oh, claro, monótono e banal, viva o mundo que existe. Etc. Os que perseguiram seus sonhos conseguiram, enquanto você deixa-se estagnar numa cadeira escritório. A que ponto chegamos, meu caro João.
Então, a guria veio aí. Para passar a tarde. E a noite. E, novamente, era uma que não se chamava Maria. Foi desconfortável. Foi desagradável. Foi desnecessário. Os corpos se tocaram, mas as almas se repeliram. Nenhuma emoção. Nenhuma substância. Foi um contato invasivo, esquisito, repulsivo. A que ponto chegamos, meu caro João.
Falta-lhe forças. Repete-se, submerge-se. Repete-se. Critica-se, cobra-se. Anda em círculos, perdido. Não consegue suportar um único dia sem propósito. Perde-se tempo. Gasta-se energia extraordinária para se levantar. Finge sorrisos. Afunda a cabeça entre as mãos. Desespera-se. Sente-se vazio, inútil. Não consegue enxergar sentido. Prde-se em palavras. Solta sorrisos cínicos. Finge estar por cima. Depedra-se por dentro. Implode-se. Encolhe-se de frio. Esforça-se para respirar. Não aguenta esperar. Olha para todos os lados. Reveste-se de paranoia. Alimenta-se de desesperança. Sorri sem vontade, sorri sem vontade, sorri sem vontade. Arrasta-se para fazer o que não quer. Não enxerga sentido. Não tem sentido, não tem vontade, não serve para nada não adianta, desperdício, idiotice, palermice, lixo, lixo, lixo, lixo.
A que ponto chegamos, meu caro João.**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**
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