quinta-feira, 16 de maio de 2013

O lago itinerante



No meu peito há uma voz que não quer sumir, não quer sair, não quer calar. No meu peito há a esperança de um dia eterno que não seja a repetição de um instante perdido no tempo presente que mal dura mais que três segundos. Que presente é esse que mal posso abrir? Não há tempo. Nunca houve. Nunca teria sido especial se tivesse sido planejado. Um momento espontâneo e impossível de ser repetido é um momento recheado de perfeição. 
Um momento que não cabe em si mesmo. Um momento que não se acomoda em definições mal elaboradas. Um momento que não saberia existir sem o vazio do medo de não ser por não saber como viver sem a consciência de, talvez, não existir como se imagina aos olhos do tempo. Aos olhos dos outros. A felicidade é como uma fita cassete que devo rebobinar para tê-la novamente para contemplar, porém não tenho video cassete. 
As ferramentas todas me abandonaram, e tudo que tenho são parcas memórias do que um dia fui. Ou poderia ter sido em projeções alheias, mas nunca teria sido nas minhas. Nas minhas sempre sou fragmentada feito mosaico. Nunca decifro todos os sons que ressoam em meu peito. Talvez a barreira tenha sido auto imposta. No entanto, depois que se convence de não ter escrito essa cena com essa iluminação, não se pode querer viver sob essa luz. Até porque essa luz não veio daqui, nem nunca soube sua origem. Definitivamente nunca fora minha. 
A capacidade de ouvir toda essa fragmentação sujeita a infinitas possibilidades de combinação, filha da não-linearidade e da derrocada do reconhecimento do meu mundo em algo de limites inimagináveis, essa capacidade não é habitante de definições históricas que não consideram os traços faciais que me levaram a sorrir naquele singular momento em que a dor aguda atravessava meu peito e pouco sabia da incongruência do ser que perpetuava. Nada sabia daquela incompatibilidade. Nada sabia daquela irregularidade que sempre foi definidora do meu ser, por mais que tente encaminhá-la para outra insatisfação existencial. Toda satisfação não se ouve com precisão à noitinha? O que eu poderia saber daquele canto inocente alvíssimo de passarinho quase-diuturno? Nada. A inexistência é pré-requisito para interagir. Para reformar o interior. Pois se existimos já estamos definidos, já fomos construídos e nada há para transformarmos. A transformação é a condição primordial do ser. Quando algum ser planificado conseguir atingir a retumbância de algo impensável e se ver, de fato, como algo passível de ser um outro, um novo, uma ruptura do não saber, uma quebra de tudo que foi memória e foi tradição e poderia ter sido um dia futuro, mas futuro esse colocado como idealização, como fim, não como projeto. Devemos nos lançar ao vazio sem medo de despencar no desconhecido. Saber o caminho a ser trilhado é prever as descobertas. Receber a resposta antes de ter ouvido a pergunta é, no mínimo, descabido e desconcertante. Esse mundo nunca poderia ter sido o nosso mundo reinventado. Apenas na possibilidade remota. Cá estou, enquanto sou dúvida. Quando for resposta, não caberei mais em nenhuma definição pré-concebida. A certeza nunca teve lugar no questionamento. Nunca soube estar sem ficar irrequieta. Incômodo. Fim do inverno. Verão. 

*Esse texto foi escrito por Fernanda Marques Granato.
*Texto protegido pela lei de direitos autorais. 


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