sábado, 21 de julho de 2012

Idiotices do João [22]

João sentado no escuro, olhando para nada em lugar nenhum.

Estamos repetindo palavras. Estamos repetindo padrões. Houve um sucesso, ele se lembra, naquela vez em que se enfadou medonhamente de si mesmo. Houve um sucesso. Hã potencial tremendo, obscurecido por ilusões estúpidas de grandeza. Há silêncio. Mas houve sucesso após inúmeros fracassos e supostas humilhações à menor pessoa do maior ego do universo. Exageros. Acariciou-se ao sentar na cadeira. Estamos aqui.

Olhe. uma risada cheia, naquele olhar de desdém. Desmedidas. Gargalhada repleta de menosprezo. Ocultou-se com gracejos. Desrespeitoso. Mas então olhou. João estava preparado, daquela vez, estava disposto a caçar para valer. Devolveu o olhar com ferocidade suave, uma piscadela, um envolvimento de alma soprada no ouvido. Uma aproximação, um papo rápido e certeiro. Lábia oculta, algum esforço, fanfarronices galanteadoras. Uma aproximação mais ousada. Um beijo.

Beijo. Beijo. Beijo.

João perdeu-se. Tempos se passaram. Almas se encontram no ósculo? Importâncias demasiadas e jamais compartilhadas. Quantas travessuras no escuro? Você tem medo do mundo, disseram. Você se esconde dentro de você mesmo e não permite que ninguém mais se aproxime. Aquele ali acha mesmo que entende João, enquanto esse outro coitado aqui acha que o entende. Devaneios injustificados e prepotentes. Sentou-se na cadeira, de pernas cruzadas, para menosprezar a idiotice de existir.

Beijou com vontade. Ao menos uma vez teria de doar-se outra vez.

Houve papos, houve piscadelas. Uma despedida. A chuva. Caminhou.

Na chuva, gargalhou feito tolo. João estava vivo novamente. Vamos urrar para os carros.

O mundo que não entendemos continua girando. Relações ao seu redor se desfazendo em pó, aquele coração partido que continua invadindo a casa para se ferir. João aponta o dedo e menospreza, atenta para não se envolver. Eles que são idiotas que se entendam. Envolvem-se, se entregam e se ferem feito baratas mordiscando as próprias pernas! Umas crianças. Aqui um reclamou que não era disso, mas então, se não sabe lidar com várias relações malfadadas ao mesmo tempo então não desça para o playground dos senhores don juans! Uma palermice, o que é isso? Essas múltiplas cadeias de beijos sem alma nem envolvimento significam o quê? Puritanismos falando aqui? Entregou-se para aquela carência lamentosa, João olha e ri, alguém mergulhou na luxúria desdenhosa, gabar-se para sentir-se imenso perante o resto, algum sentido há? Mas João consegue entender o próprio esquema?

Hã uma certa conjectura, uma certa insegurança. Um olhar desviado naquele momento em que a fraqueza torna-se dolorosamente escura. Toda a pose de desdém fingido não é capaz de mascarar a vergonhosa timidez. É capaz de perdoar o que é verdadeiramente?

Desta vez ocorreu porque houve atitude. O clichê de filmes e histórias?

Queria mais daquele beijo. É tão humilhante ser humano, não é mesmo, caro João? Menosprezou as necessidades de outrem, apontou o dedo e tachou-os de insignificantes e de escravos da luxúria. Sentiu-se superior por fingir não se importar? Fracassou.

Encontrou novamente, para abraçar e beijar. Porque tinha de sentir novamente. Falas e palavras e gracejos, e maravilhas de apresentações, e compartilhamentos. Palavras, confidências. E beijos.

Deliciou-se. De verdade, desta vez? Quanto tempo faminto de significados? Sentiu almas se entrelaçando, como deveria ser. Óculos de chamas, egos inflados debatendo-se enquanto se mesclavam no contato dos lábios. Chamas adicionando chamas para explodir um incêndio.

Nenhuma outra adição seria necessária. Aguardaria.

Tolice...

Clichês, estamos aqui. Dolorosamente humano, não é isso? Nem sentido em relatar, é a mesma merda, e estamos nos perdendo. Belezas se foram. Quando foi ali para fanfarronear, fracassou outra vez. Como é que se brinca disso? Já esqueceu? Nada interessou, então não se esforçou, então nada levou. Mas era para levar algo? Pontuar significa encostar em lábios sem significado? Torturar-se por falhar em seduzir o que não interessava? Há mesmo o medo do mundo? Há alguma coisa em algum lugar?

Esperar. O quê? Não veremos e não saberemos quando voltar. Há drama excessivo? Há excessos. Trancafiar-se novamente nunca foi solução. Quanto mais negará outros? Mantém-se distância segura e dolorosa - para não sofrer com envolvimentos, mas sofrer por não se envolver.

Agora adianta falar? Não consegue responder. Não haverá terra para lava, não houve vapor com água; neste instante, deseja novamente os lábios de fogo para reduzir o medo do mundo às cinzas de um incêndio.

O louco se fecha nas cortinas de sua própria alma, aguardando urros ilusórios de chamas em lugar nenhum.


**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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