Olha só, estamos aqui vivos novamente, mesmo que aparentemente não se enxergue nada.
João se levantou, sem nem ao menos saber para onde ir. Não há lugar nenhum aparente. Houve uma longa ausência de ideias supostamente aproveitáveis, mas ele logo entendeu que a realidade é criada por idiotices nas quais acredita-se que vá dar certo. Não temos utilidade nenhuma real, portanto falaremos qualquer coisa. João se levantou e caminhou rumo ao seu trabalhinho de todos os dias, ainda aquele, na livraria em que sempre sonhou trabalhar, esperançoso do status que poderia alcançar junto aos amiguinhos, e ao rumo que estaria direcionando para si mesmo. Iludiu-se, lógico, então sonha com o que nunca teve. Observa agitações de colegas em séries de livros e em livros que viraram séries, observa as discrepâncias e as saudações de admiração perante as histórias que continuam se repetindo. Não há mesmo sentido real, nem na espera nem na volta de celebridades desconcertantes. Aquela Maria o João ainda aguarda, sempre a Maria, à qual ele se reveste de fracassadas esperanças, não tão fracassadas porque sabe - ou pensa saber - que um dia conseguirá. Há paciência para lidar, atenção para não espernear, uma suposta coragem para acreditar e insistir. É isso mesmo que deseja? Acredita à sua própria maneira, aguarda e joga a semente, sonhando que um dia vá germinar. Lentamente. Há outras formas de contato florescendo As diferenças aberrantes vomitam tentáculos rodopiantes, prontos para estilhaçar seus ossos, mas mesmo assim João acredita. Ele atende o próximo cliente querendo seu livro, eles querem ler histórias ou fingir que leem ou sabe-se lá o quê, sempre o status, senhor, eu leio bastante, então eu sou um senhor intelectual, estou acima dessa maioria que se arrasta inculta e que não pensa, apenas assiste à TV e consome música ruim, eu estou acima, eu sigo um padrão pseudo-cult que vários outros trouxas seguem sem questionar, só leio os livros que a minha galerinha adora, finjo gostar do renomado autor que detesto para não ficar mal entre meus iguais, não tento criar nada novo, apenas reproduzo o mesmo e o mesmo comportamento, estamos todos aqui nos imitando, sim, senhor, sou um homem culto e estou acima, e assim ele levou o livro, João olhou e se lembrou, naquelas infâncias retardadas, sim, quando o garoto olhava para seu quintal e imaginava um universo inteiro de grande sabedoria e poder, o que mais poderia conseguir dali?, os cachorros os olhavam, eram cadelas, só tinha cadelas, sempre preferiu fêmeas de qualquer espécie, machos são temperamentais, orgulhosos e burros, de qualquer espécie, mas então, as cachorras ali olhando-o, adorava acariciá-las, seres vivos que demonstram afeto, elas estão ali, será que algum dia teria a Maria para irradiar todo o afeto e amor suposto que gostaria de dedicar a outra fêmea de sua própria espécie?, João gostaria de poder dedicar e concentrar, sim, se Maria o aceitasse, mas ela o ignora, ou com ele brinca, ou dele suga, ou ele não sabe, mas aí veio Maria entrevistando-o e condenando os hábitos da outra, até mesmo quando Maria visitou-o em sua casa para lhe conhecer e invadir seu quarto e se admirar com seu livro predileto, nunca houve qualquer entendimento real, João olha para o teto imaginando como será o futuro, mas no fundo ele sabe, resta aguardar e reconhecer que o melhor ainda está por vir.
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