segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Idiotices do João [6]

João se levantou para mais um dia inútil, levantou tarde, todos haviam ido trabalhar mas João estava desempregado, levantou tarde e foi se olhar no espelho, sentindo-se inútil, tolo, desperdiçado, arrastou-se antes que fosse esmagado pelo peso de sua auto-cobrança implacável, arrastou-se alguns metros tentando respirar e pensando em algo para fazer, algo para se libertar, mas nada acontecia e nenhuma ideia lhe apetecia, recordava-se de quando era mais novo, ou melhor, tentava-se recordar, pois estava envenenado do próprio estresse, não conseguia pensar no que foi ou fez, apenas no que deveria fazer, mas ele não sabia o que diabos deveria fazer, repetia-se e sentia-se impuro, indigno, indigesto, como se o mundo inteiro resplandecesse e ele não, como se todos fossem maravilhosamente esclarecidos acerca de si próprios e ele não, gostaria ele de alcançar simplicidades eficientes e cativantes, só que se afunda sempre sempre em complexidades presunçosas e limitantes, e então... desconsegue.
Quebrou o ritmo assim que beijou Maria na boca.
Mesmo assim, as impurezas permaneciam.
Não resolveria simplesmente entregar-se à existência simples. João superestimava-se a ponto de desmoronar quando falhava na mais simples tarefa; falhava não, fracassava, em seu vocabulário de exageros escarnecidos de si próprios. Então desistiu de se ver no espelho e se jogou no mar das perfeições besuntadas com óleo de superficialidade, embora tenha esbarrado nos costumeiros acordes da idealização idiotizada. Mesmo assim, foi na casa de jogos, na verdade uma verdadeira mansão, à qual ele jamais teria acesso, pensava amargo, pois não se esforçava o suficiente, era incompetente, você não passa de uma sombra do que realmente deseja ser, nunca alcançou as realizações que sempre sonhou, imaginava-se velho e frustrado, aquele casarão escancarava-lhe todas as preguiças e todas as privações mal-aproveitadas, não estava vivo, finalmente havia beijado Maria para valer e ainda assim sentia-se vazio, você não passa de um sombra do que sempre sonhou ser, nunca seria, arrastar-se-ia como um zumbi derrotado por si próprio, o orgulho inútil dilacerava-o por dentro, estava certo de que não sensibilizaria ninguém, todos ocupados demais com seus próprios assuntos, assim como ele, egoísta e ridículo como os demais, eu como tu comes ele vomita, vomitava todas as suas indelicadezas em forma de bravatas de palco, um grande teatro apenas para desagradar os que estão em melhor posição do que ele, João olhava no relógio e prometia para si mesmo que aquele dia seria diferente, que produziria um sem número de sortilégios capaz de revolucionar o Universo, dessa forma todos para ele olhariam e ele influenciaria a vida de muitos, e sua vida patética teria algum sentido, desacreditado de todas as fobias e invejando todas as alegrias, você não passa de uma sombra do que realmente sonha em ser, Maria disse que estaria do seu lado para sempre, mas para sempre todos morriam e Maria não estava ali, jamais vincularia felicidade a uma única pessoa, casar-se-ia, talvez, mas inútil e comum permaneceria, longe do brilho com o qual sempre sonhou, apenas mais uma poeira ridícula se arrastando na periferia da existência, dramatizando em excesso a própria condição e desperdiçando potencial, outros menos talentos e com menos recursos tiveram muito mais sucesso, superestima a si próprio e o mais provável é que seja muito mais parvo do que realmente acha que é quando se deprecia, ridículo enxergando um desperdício no espelho, um fracassado, você não passa de uma sombra do que realmente deseja ser, apagou a luz e permaneceu inerte, incapaz de dormir, incapaz de realizar qualquer outra coisa que não fosse desperdiçar o tempo chicoteando a si próprio.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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