Habito a reconfiguração de todo reflexo em qualquer espelho. Habito o pesar líquido em toda superfície em que se pode ver o além-sobre-terra. Toda a força que faço para me manter em dois espaços reconfigurados sob o mesmo segundo me toma a energia para completar o próximo batimento cardíaco. Eu morro no reflexo sem saber como retornar à projeção. Morro sem saber como cheguei até aqui, nessa secura devastadora sem perspectiva de chuva. Eu precisava da chuva.
A chuva me mostraria o que não vejo agora que não sou mais proprietária da superfície espelhadas. A chuva me revelaria que nunca mais poderei ser repleta de gotas individualizadas, de enormidades abertas pelo tempo, de rupturas abertas, de absurdos incomensuráveis. Nunca poderei usar o eco da minha voz como enunciação. Poderei apenas me utilizar da sombra do som que faço em cada ambiente que adentro.
A sombra me demonstrará como na verdade nunca foi honesta. Sempre existi tendo a ambivalência como pré-requisito. Sempre existi dividida entre o roto e o amassado. O rasgo que me habita nunca foi meu, ele me foi causado por chuvas muito atrasadas que não souberam reconhecer o quanto eu as queria. Ainda preciso ouvir seu barulho em minha janela, rastreando a movimentação interna. O trigo que um dia fora confundido em meio ao joio nunca soube resvalar na minha fragilidade, e agora me fortalece a ponto da chuva ter cessado onde informalmente habito. A moradia me foi renegada. Nunca soube reconfigurar a superestrutura. Nunca soube embasar a rede neural. Deveria ter percebido que é a mesma água que respiro, que bebo e que me mostra o caminho de casa. Deveria ter percebido que não sou quem existo na água, não sou o recorte. Sou o absinto. Sou a notícia que ninguém quer ouvir entregue em uma doce manhã de domingo. Sou o desespero.
Sou a sabedoria nunca dantes compartilhada.
Agora as vozes serão ouvidas.
Atente para o silêncio. Pode ser considerado clichê, porém a gota um dia foi indivíduo. Antes de se tornar mar. Antes de se revelar coletivo. Antes de se relevar a voz única que não tem reverberação suficiente para ser ouvida.
Precisamos de maior amplitude.
Precisamos reaver a nossa gota que enregelou toda toda na pétala que um dia foi minha. E agora é sua.
Primavera.
*Escrito por Fernanda Marques Granato
*Esse texto está protegido pela lei de Direitos Autorais.
Fê, parece que esse texto foi escrito pensando em mim, sabia? Me identifiquei muito, principalmente porque os elementos que você utilizou (chuva, silêncio, espelhos...) são muito presentes nas minhas poesias, contos e até analogias e pensamentos pessoas. Muito bom mesmo, como sempre!
ResponderExcluirBeijos, Chris