segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sugue o meu vazio repleto de adocicadas versões de mim mesma

Habito a reconfiguração de todo reflexo em qualquer espelho. Habito o pesar líquido em toda superfície em que se pode ver o além-sobre-terra. Toda a força que faço para me manter em dois espaços reconfigurados sob o mesmo segundo me toma a energia para completar o próximo batimento cardíaco. Eu morro no reflexo sem saber como retornar à projeção. Morro sem saber como cheguei até aqui, nessa secura devastadora sem perspectiva de chuva. Eu precisava da chuva.
A chuva me mostraria o que não vejo agora que não sou mais proprietária da superfície espelhadas. A chuva me revelaria que nunca mais poderei ser repleta de gotas individualizadas, de enormidades abertas pelo tempo, de rupturas abertas, de absurdos incomensuráveis. Nunca poderei usar o eco da minha voz como enunciação. Poderei apenas me utilizar da sombra do som que faço em cada ambiente que adentro.
A sombra me demonstrará como na verdade nunca foi honesta. Sempre existi tendo a ambivalência como pré-requisito. Sempre existi dividida entre o roto e o amassado. O rasgo que me habita nunca foi meu, ele me foi causado por chuvas muito atrasadas que não souberam reconhecer o quanto eu as queria. Ainda preciso ouvir seu barulho em minha janela, rastreando a movimentação interna. O trigo que um dia fora confundido em meio ao joio nunca soube resvalar na minha fragilidade, e agora me fortalece a ponto da chuva ter cessado onde informalmente habito. A moradia me foi renegada. Nunca soube reconfigurar a superestrutura. Nunca soube embasar a rede neural. Deveria ter percebido que é a mesma água que respiro, que bebo e que me mostra o caminho de casa. Deveria ter percebido que não sou quem existo na água, não sou o recorte. Sou o absinto. Sou a notícia que ninguém quer ouvir entregue em uma doce manhã de domingo. Sou o desespero.
Sou a sabedoria nunca dantes compartilhada.
Agora as vozes serão ouvidas.
Atente para o silêncio. Pode ser considerado clichê, porém a gota um dia foi indivíduo. Antes de se tornar mar. Antes de se revelar coletivo. Antes de se relevar a voz única que não tem reverberação suficiente para ser ouvida.
Precisamos de maior amplitude.
Precisamos reaver a nossa gota que enregelou toda toda na pétala que um dia foi minha. E agora é sua.
Primavera.

*Escrito por Fernanda Marques Granato
*Esse texto está protegido pela lei de Direitos Autorais.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

Um comentário:

  1. Fê, parece que esse texto foi escrito pensando em mim, sabia? Me identifiquei muito, principalmente porque os elementos que você utilizou (chuva, silêncio, espelhos...) são muito presentes nas minhas poesias, contos e até analogias e pensamentos pessoas. Muito bom mesmo, como sempre!

    Beijos, Chris

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