domingo, 6 de novembro de 2011

O miserável pão de ouro feito de ar puro

A cortina sempre corrigiu a luz de forma que ela nunca entrasse com muita propriedade, pois dessa forma poderia não ser compreendida pela falta de velocidade da escuridão amorfa.
O tecido só sabia se intrometer no meio-termo do verbo que não se formava completamente. A palavra não era esquecida, apenas ganhava corpo e presença física em uma realidade que não se ouvia à distância.
Suas partículas não se chocavam e a onda não harmonizava com uma freqüência lotada de esvaziamento descabido em proporções virtuais.
A luz que se decidia por correr o risco e se aventurava na leve abertura da cortina era repelida pelo desconhecido temido. Essa rara luminosidade se transformou em um vívido cone que revelou o ocupante da negritude protegida. Era idoso, e nunca foi capaz de ver além da capa clara. Nunca foi capaz de abraçar a escuridão e de vê-la com seus próprios olhos, aceitando-a como sua semelhante. Até que a primeira gota manchou a cortina que pesou na janela e fechou o cone brilhante.
O solitário ocupante percebeu o ar pesado que inspirava e notou resistência de outro habitante. Observou a longa distância para saber se era seguro ali estar. Só viu a escuridão no outro. E não temeu o escuro que o habitava. A formação do estranho era toda negro véu que o cercava de peculiaridades que o faziam destacar-se da cortina clara.
O relevo era só aceitação.
A identidade foi solidificada em um vazio repleto de percepções advindas de pontos de vista iluminados.
O estranho trocou a lâmpada.
Eu saí, sem reconhecer meu avô.
Nunca conheci o vazio.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

Um comentário:

  1. O título é uma caixinha de surpresas. O recheio é repleto de significados próprios. O fim é a constatação de que não há nada em lugar nenhum.

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