segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Idiotices do João [58]


Estar sozinho é estar exposto.
O ônibus navega pela escuridão da pista enquanto João se afoga dentro de si próprio. A maioria dos passageiros está acompanhado fisicamente de alguém, mas João está só, sentado lá trás, com cara de poucos amigos, sempre afastando os demais com o olhar. Nada retornará ao que era, nem mesmo as lágrimas. E não adianta tentar impressionar com discurso bonito; alguns estão olhando, mas não dispensam a importância que você acha que tem. Eles têm suas próprias preocupações para lidar. E você está sozinho.
Você está exposto à sua própria tolice. Você se considera deslocado do movimento constante de pessoas buscando seu lugar ao sol, você observa os grupos e acha que todos se entendem uns com os outros, exceto você, você lambe as feridas da sua própria tristeza enquanto todos os demais parecem estar sorrindo de mãos dadas, você chora em silêncio enquanto mantem um semblante de falsa austeridade e uma pose de independência quase mórbida. Você finge que sabe se expressar e finge que sabe muito mais do que realmente tem a dizer. Você finge que se importa. Você finge que sorri. Você finge que está vivo.
Acordes de violão soluçam aquelas lamúrias das quais você tanto gosta. Você está viciado na sensação de se sentir à parte, de se sentir uma criatura trágica no grande palco do mundo. Você se especializa em se isolar para se embebedar da solidão em meio à multidão. Se pudesse, você derramaria lágrimas de sangue onde todos pudessem ver. O que você quer não é apenas uma variação do “olhe para mim”? Você está buscando algo intangível. Ou pelo menos é o que gosta de pensar. Você não está satisfeito. Você você você. Eu eu eu eu. O ego, a noção extrema de si próprio, sempre sufocando seu pensamento, sua sensibilidade e suas escolhas. Você e a sua dificuldade extremada para se conectar com outras pessoas. Você ao menos se dá ao trabalho de tentar ver com os olhos do outro? Você finge que acha que entende o que o outro sente, mas você mal compreende as sensações que experimenta e o que você realmente deseja. Você está sozinho e perdido. E adora se sentir assim.
Você, assim como todos os demais, adota suas próprias táticas para ser notado. Você opta pela trilha que considera mais elegante de chamar atenção, ou pelo menos assim gosta de pensar. Como se isso fizesse diferença. Você está racionalizando, você está desumanizando a sua declaração. Você está fingindo que está levando isto a sério, está fingindo que há algo de relevante para ser dito. Você continua olhando para os demais e os demais continuam vivendo. Assim como você. Não há como saber que desejos e quais anseios estão se contorcendo no coração alheio. Você mal consegue lidar com as suas necessidades. Você se sente culpado pelas escolhas infelizes e pelas pessoas que magoou. Você investe num discurso bonito e não se sente à altura de suas belas palavras. Você é visto como um exemplo para uns e magoa outros à boca pequena. Você busca algo que não existe e dedica sua existência miserável a uma causa perdida que nunca será completamente alcançada. Você se senta em silêncio na escuridão, ansioso que alguém busque contato. Você observa as passagens dos anos e se esforça para fingir que tudo isso vale a pena. Você fracassa seguidamente em suas tentativas de conexão com outras pessoas, você finge para si próprio que será a última vez até tentar de novo. E fracassar novamente. Você fecha os olhos desesperadamente tentando enxergar a si mesmo, mas só consegue ver uma criança chorando compulsivamente atrás do muro. Por vezes você visita o coração das trevas, onde nem mesmo seus demônios têm coragem de lidar. Você observa impotante seus paraísos despencarem na sua cabeça enquanto você ainda está tentando reparar suas asas quebradas. Você reforça sua máscara de austeridade e sua postura magnânima enquanto a criança continua guinchando um choro estridente atrás do muro.
Estar sozinho é estar dolorosamente exposto a si próprio.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

Nenhum comentário:

Postar um comentário