sábado, 13 de agosto de 2011

Manual de observação sensível

Madeira recém cortada. A porta que reluzia integralmente alvejada em minha mente não era mais a que eu possuía. Fora trocada. Retiraram-na de minha morada e não colocaram uma substituta de relevância em seu lugar, de modo que me encontrava recostada no que restava da minha anti-morada. Fora destituída de seu ar rarefeito que mantinha todas as minhas interconexões neurais. O vento agora resvalava na minha hesitação e me abandonava no pé da gota que ameaça se libertar do meu domínio territorial.
O ar interior, anteriormente intocado, devia se orientar pelas nascentes invariáveis do saber conjugado que se colocava no topo da nuvem, que não sabia como existir sem sua gota derivada. A gota já era partícula de outro firmamento que meus olhos não apreciavam. Neste pulsar, tudo que estava ao meu respirar era a certeza de que o tempo ecoava em cada reentrância da minha percepção inerte, e que a incompletude ficava, a cada segundo, mais evidente.
O amarelo tentou inutilmente se incorporar ao cobre do meu olhar já totalmente orientado por nuvens carregadas de azuis retocados. A incandescência não encontrava espaço no olhar retido na circunstância interior para realocar a sua amplitude cálida. O fogo se afastava da minha integridade recalcada em poucos respirares. Não sabia existir sem a perspectiva emprestada do calor descoberto há séculos redescobertos por filósofos ávidos.
A questão sem resposta era se, de fato, saberíamos conter o abrupto. Saberíamos reencontrar o inesperado? A integridade física de outrem ensaiava um toque à porta, hesitando em se fazer presente naquele ambiente instável. As divisórias limitadoras não eram finitas. Foram três toques no carvalho negro. A paisagem sonora formada era pontual e decisiva, não restando outra reação do ouvinte. Olhando a esmo para a madeira escovada, esquivei-me para o lugar esconso do qual pude me apropriar sem muita irreverência. Toda a força contraída bradava em silêncio para ser liberta por amplitudes que compensavam os gritos secos da incompletude.
A proteção se esvaiu com aquele timbre ousado que resvalava na minha impotência verde-escura. A superfície epidérmica não sabia a quem recorrer, e foi submetida à pressão da onda que reverberava no ar redemoinho circulante. A densidade fora ordenada, porém não pode se compor por falta de atributos recorrentes. A redundância era fundamental para que se caracterizasse como uma outra formação separada, una e inequivocadamente suposta. O ressoar que ecoava em toda a densidade que fora ordenada não conhecia a volatilidade da construção, que desapareceu de toda a realidade inteligível. O palpável sublimara para a arcaica nuvem que o aguardava com pesar. Tudo o que nos resguardava, nesse líquido estar, é o marrom-avermelhado que norteia todos os respirares isolados, todos os sons desintegrados e todos os toques desobstruídos. Absorção.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

4 comentários:

  1. ficou muito bonito fe! ' v '~
    gosto de como voce descreve as coisas no texto~

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  2. -A forma circunscreve ou o circunscrito forma a forma?
    -Como alguém pode tentar pensar assim?
    -Um formalista...
    -No formol.
    -Mas vivão.
    -Vai dormir.
    -Com bons sonhos!

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  3. Da mesma forma que Lispector, tenho dificuldades de analisar e classificar literaturas dessa espécie. Tenho a convicção de que você ESCREVER UM LIVRO sobre seja lá o que for, meter a cara e seguir escrevendo FOR REAL. Continue transformando suas imaginações interiores em belas palavras.

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  4. Muito bonito, Fe! Sua fluidez de pensamentos e descrições é impressionante... Continue escrevendo!

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