domingo, 6 de março de 2011

Rejuvenescimento da pérola perdida

A sensação de afastamento se fazia íntima das linhas da sua pele, dos traços do seu rosto já desgastado pelos anos de uso sem cuidado, dos cabelos cansados a ponto da força não mais segurar a cor, o sabor nem o calor dos tantos anos levados por cada fio menos saturado que era levado, desbotado, na correnteza da finitude. As respirações ficavam mais espaçadas, já que o pulmão cedia mais ar que ganhava.
Os anos não mais procuravam o caminho de sua casa, há muito desrespeitada. Todas as regras se foram. Jogadas ao vento, desorganizaram todo o trabalho de uma vida inteira. E longa. Tão comprimida agora no diário que se encontra desarranjado no fim das escadas recém-quebradas por pouco cuidadosos visitantes, nem sempre ocupados em manter a memória coletiva viva.
Qualquer um que passasse rapidamente pela fachada da casa se sentiria tentado a entrar e buscar um espírito de recorrência há muito perdido e nunca revisitado por pessoas que o valorizassem pelo que merecidamente são e pelo que ajudaram a construir no socialmente vivido.
Entretanto, qualquer um que se recusasse a não viver e decidisse por escolha própria que a atitude correta é a delonga, é a contemplação viva na percepção dos reencontros que se dão no olhar reinterpretado de cada passante, que passa e leva consigo um pedaço da casa tão sem coletiva apreciação.
A pintura já descascava a noção vigente tradicionalista. O verde que se vai com o fim de século que se esvai na água reusada percebe que não tem mais espaço, que a inovação ideológica se faz fundamentalmente azul, e perceptivelmente reconfortante no jardim que varia ao ritmo do sol a quantidade de flores recontadas.
Flores que mostram que a fragilidade é algo que diferencia as espécies, que traz a unicidade como fator marcante de qualquer tentativa desnecessária de subjugar o que não se conhece.
Por vezes, análise detida com delonga se faz necessária.
O homem desconhecido que revisita meu mundo detrás das pálpebras cerradas me comove, mas não faz o chão tremer.
Antes fizesse.
Agora, efeito nenhum resguarda.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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