domingo, 6 de fevereiro de 2011

Parede inacabada

Quero o salgado que me reconta a história do aconchego, que relembra momentos delicados em meu interior ressentido, que me faz sentir de novo o descabido, o tão longamente reprovado mas agora inevitavelmente sentido.
Quero o doce que me retoca em todas aquelas curvas não planejadas de percurso, que me recita aquelas linhas retocadas em frases nunca antes honradas em ruas nunca repisadas.
Quero o amargo que me mostra que são as flexões e os contorcionismos que fazem um caminho bem vivido e bem aproveitado ser sentido no meu íntimo, e não a retidão do indivíduo.
Não é a escolha, mas a pergunta que interessa o ouvinte.
A liberdade de poder formular qualquer caminho passível de ser seguido em 24 letras, 25 segundos e 26 abraços. Afinal, o tempo do relógio nunca ajudou a fuga para a imaginação. Só o tempo do percebido.
Sensação.
Sentir que se pertence a um ambiente, que o cheiro lhe é familiar, já é alguma coisa para se sentir no controle do vislumbre do porvir.
Sentir o fervor do concreto que nos persegue por detrás da persiana do observador que nos idealiza em sua mente recatada. Mente preto e branco.
Quero sentir o fervor do vento a possuir-me, perpassando cada vértebra, cada vácuo ou cada valor em nossa rede de fragmentação do real. Cada poro da minha pele sente uma lufada de ar diferente, que invade minha epiderme sem autorização prévia e conhece cada partícula que me pertence, misturando-se célula a célula. Miscigenação.
Quero controlar a probabilidade de escolha de inclinação da percepção. As folhas se protegem desse vento já íntimo e não revelam suas faces, permanecendo verde-escuras. As amareladas já são velhas amigas.
A percepção é o mundo que temos. É o mundo que nos nutre, que se nutre de nossa elucubração e do equilíbrio promovido pelo corte de vozes que nunca se reencontrarão. Só no outro som, no fim da rua. Onde não aprendem mais a tremer a corda quando os amigos se aproximam.
Quero o saber sem ouvir, o ouvir sem ver, o sentir sem perceber, o falar sem balbuciar.
Quero o viver sem saber, o conhecer sem porquê, o descobrir sem meta, o medo sem ataque.
Quero o céu sem divisão, o azul sem contravenção, o esmeralda sem mistura.
Quero desvendar sem partitura, reforçar sem necessidade, questionar a estratégia.
Quero cantar sem lugar, propor sem presunção, colocar sem alternância de tom.
Talvez o verbo não seja querer.
A escolha é sempre posterior.

**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

Um comentário:

  1. "Afinal, o tempo do relógio nunca ajudou a fuga para a imaginação"
    (...) Quero desvendar sem partitura, reforçar sem necessidade, questionar a estratégia."

    Fe, eu sinto um arrepio na espinha com algumas coisas que você escreve. De verdade. É como ler algo que estava engasgado na garganta, querendo sair... Mas na verdade teve que entrar pelos olhos, pra tomar forma de verbo e conseguir sair. Lindo, lindo!

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