A troca diária de luz por sombra
pela qual a porta passava frequentemente já a tinha tirado do sério, fazendo a
fechadura ser esquecida fechada. Dessa forma, não havia mais luz, não havia
mais mudança, não havia mais barulho, não havia mais troca, não havia mais
movimento.
As duas batidas secas na madeira
desbotada não incomodavam mais, pois não havia abertura. Não havia aceitação de
existência desgastada alguma, de cores pequenas ou de dúvidas fechadas. O
incômodo se originava do constante atrito entre o batente e a porta, que nunca foi
do tamanho certo. Nos dias úmidos, era muito pequena. Nos dias secos, era muito
grande. A angústia gerada pela abertura involuntária era tão grande que todo o
ar do mundo entrava, aquietando-se na sala de estar e mostrando a que veio. O
sofrimento que o acompanhava era tardio, mas decisivo, e sua presença era forte
e habilidosamente constante.
Quando o sofrimento bate à porta,
abro logo sem padecer nem evanescer, pois sei que é certeiro e pesado. Sei que
pegará a sala em seu pior momento e se aproveitará da sua desorganização, da
sua fraqueza e da sua falta de alimentação. Sei que quando o sofrimento bater à
porta, nada poderei fazer, a não ser abrir aquela que tenta inutilmente criar
uma sombra debaixo da qual tento debalde me proteger.
Apenas poderei me apresentar
parcamente para aquele que tudo desfaz, que tudo enevoa e tudo reconfigura.
Apenas terei que me refazer a
cada segundo para me reajustar às mudanças feitas por ele, por essa força
descomunal que levou a minha porta, levou a minha sala e levou a minha névoa,
da qual eu tanto precisava para não me sentir sozinha.
Agora, sem a minha consideração,
nada em mim resvala com peso significativo. Sem a minha fraqueza, não posso
mais desenvolver meus passos e não sei mais até que sombra já me aventurei. Não
sei mais como poderia ter sido esse futuro que não mais será, pois sem porta,
sem entrada, sem começo, sem pompa e circunstância, nunca saberei se estou de
fato pronta para enfrentar esse mundo inóspito sem sombra, sem porta e sem
fraqueza.
Quando o sofrimento bate à porta,
sei que só me resta abri-la.
Quando a fraqueza me acomete, sei
que ainda tenho uma sombra para encontrar.
Que história somos capazes de
contar sem sombra nem luz, sem sofrimento ou conflito? Nenhuma, respondem os
filhos do mundo sem sombra.
Quando o sofrimento bate à porta,
digo apenas: “Despreparada estou para lhe receber, mas a casa é sua”. Ofereço-me de braços abertos, pois
sou tudo o que ele tem a me oferecer. E a ele sou grata. Sofrei-vos!
*Texto por Fernanda Marques Granato.
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