quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Nada ficará pronto, porque o futuro já foi.


Elásticos para cabelos. Tempo. 03.02.2021. Função. Design. 

Por que as coisas têm nomes?

Porque o destino sempre pode mudar, mas o nome, não.

Por que as funções são pré-definidas?

Porque o ritmo depende do ar, então nada pode ocupar espaço sem ser útil para algo. 

Limites. Fronteiras. Definição. Restrição. Regras. Regulamento. 

A subida por vezes me pega, principalmente nas coxas, que mal têm força para se erguerem. Será que eu saberia dizer tudo? Nem saberia começar, para falar a verdade. Nem ao menos dizer o ano. Na verdade, o ano nem importa tanto. O que importa é o som daquele ano. O som ao redor que, ao se posicionar, se limita e se define. De uma forma ou de outra. Os braços também não servem para muito, pois logo o pulso cansa e nada adianta mais. Nada mais pode ser feito. Para que pensar? Será que eu poderia apenas pensar ser função? 

A esperança ocupa muito espaço, realmente tenho que ser minimalista e me livrar dela. Farta estou de esperar sentir a vontade, chegar o momento, saber a frase, pensar o conhecimento a se concretizar, não quero mais contar. Simplesmente não quero mais ter controle. É cansativo. O bloqueio também é irritante. É como se antes de fazer algo, já caísse um prédio em cima do pré-projeto. O julgamento mata a vontade, a culpa estraçalha a motivação, a rotina é defenestrada pelo tédio e tudo o que eu quero saber é o que acontece quando você se torna incapaz de sentir. Por vezes, sinto que estou perto, mas em outros momentos sinto que estou longe, pois a dor é forte demais. Sinto-me mais à vontade com a dor do que sem. A barriga é grande fonte de estresse. Ou dói ou causa suor na testa e na nuca. A nuca nunca me deixa em paz. O que fazer com o fio que sobra? O que fazer com a obrigação que bate à porta? O que fazer com a culpa que consome? Eu queria deixar a culpa me consumir para poder, finalmente, descansar. Não consigo nem fazer o que preciso nem descansar sem culpa. Sou permanentemente perseguida e torturada pela minha própria mente, que sempre prova que ainda falta e que sempre estou errada. Estou incompleta. A falta é uma constante, e nada pode ser feito quanto a isso. As caixas estão transbordando, mal há espaço no armário, eu me sinto vazia, a conta está negativa e eu só penso em pular no vazio (sem nada que me impeça de me expandir). A expansão é importante, principalmente no ar rarefeito. O café é outra constante. Parece que, para conseguir completar uma página, tenho que esquecer quem sou. Tenho que me fragmentar. Tenho que me desconstruir. Tenho que me dissolver no ar. Tenho que me misturar à transparência. Tenho que ser o dissabor e o amargor. Se lembrar quem sou, volto atrás e nem começo. Afinal, sendo uma falha, para que começar? Uma falha, sem consequência, pode se anular. Antes que a hora em que seja tarde demais chegue. O tempo é curto, a estrutura é precária, o conteúdo é fraco, tudo se desmancha na liquidez do furtivo e tudo chega tarde demais para mudar qualquer aspecto. O começo é problemático, pois como definir o começo de algo se não se sabe o que havia antes? Como saber que o que se criou é único se não se tem elementos para comparar com o precedente? Como delimitar o espaço, salientar a diferença? Como notar a falta sem conhecer a presença? Como criar uma mente tranquila em terreno alterado? A certeza do fracasso é a única coisa que me faz continuar, pois nada que eu faça terá a chance de alterar qualquer produto de minha ação, então nada devo temer, pois nada resultará. Certo? Se estiver errada, e o nada se provar como algo, então terei a insensatez para me preocupar. Bom, nem sempre. Às vezes a conta chega.



**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

domingo, 7 de junho de 2020

30 anos

30 anos. Que besteira. É cada coisa que passa na nossa mente quando somos pequenos, que é difícil conciliar o que se passa na nossa mente – inacabada – com o futuro que ela nunca vai viver. O presente muda o passado, o futuro altera o presente, e a mente tenta acompanhar o ritmo, mas, muitas vezes, é tarde demais. A vida não espera você crescer. Ninguém te espera. Os eventos se desdobram numa vibração eterna diante da qual estamos desprotegidos, e a onda vem e nos arrebata, prontos ou não, ansiosos ou desligados, cá estamos com todo o sal na boca e nada de desespero para vender. O guarda-sol que me desculpe, mas não creio que exista um humano sequer que queira criar uma engenhoca qualquer para proteger alguém. As expectativas freiam nosso desenvolvimento, as críticas nos propelem para a frente, as promessas nos mantém em suspensão, os exemplos dos outros criam falsos horizontes de futuros escritos na água que evaporam imediatamente no próximo verão. Tudo é verão, e a felicidade vive no entremeio. A definição que nos persegue desde que inspiramos o ar rarefeito desse mundo pela primeira vez, os planos formados ao longo dos anos de falsas impressões se esvaem como quando tentamos guardar um floco de neve para mais tarde. Nada sabemos, apenas que devemos nos mexer, não devemos parar, devemos continuar tentando atingir o inalcançável. E para quê? O que queremos provar? Aonde queremos chegar? O que faremos com todo o pó que logo seremos? As notas se sufocam com o tempo perdido, e nada dura. Tudo se transforma no fim que sempre fomos, mas que só encontramos quando nele estamos. Nada ressoa, nada existe, apenas a dor acumulada, multiplicada a cada ano por mil, e contada pelas crianças que ainda vão nascer. E que nada sabem do que colecionamos. Nem do quanto nos esforçamos para mudar quem somos. Deixamos nossa marca na água, e ela já foi bebida. Nada existe. Nada existe por completo. A completude é a integridade do vazio. O ar que nos preenche também nos define, de modo que não podemos isolar em caixas ou potes de vidro todas as nossas facetas, que permanecem em estado de fratura exposta. Todos estão contra nós, armando-se e se preparando para nos aniquilar. O quanto antes percebermos, antes poderemos saborear o fim do que nunca foi – realmente – sentido. Desabrocho e ponho para fora todos os espinhos que me consomem, retirando facada por facada de modo a ter o caminho desimpedido para ser capaz de terminar o que comecei. Tecer essa experiência de quase-morte não é algo que me acalenta, mas algo que devo protagonizar para caracterizar essa performance de quase-vida, de quase pessoa digna, de quase ser humano que sou. De caco de potência curvada que sou, que não se encaixa em nenhum vitral, e também não se esmigalha. A pessoa que sou sai andando a esmo, sem saber para onde tornar, pois todos os limites foram reconfigurados pela crise, pela perda e pela facada, e não consigo reconstruir. Nada posso fazer, pois nada sou. Sou o fim inacabado da meia-estação desbotada de fim de maio. Regozijemos. O amanhã virá para aqueles que souberem se reconfigurar. Crise. Ruptura. Fim-recomeço. Despertar da dor, revirar-se em sonho. Amar o odiar, desprezar o ser amado, transformar o novo em velho inútil. Testemunhar o dissabor da vida que, aos 30, nada sabe, tudo sente, destrói e renasce no mundo da queda no vazio, sem rede.

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*Texto por Fernanda Marques Granato protegido pela lei de direitos autorais.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Infância em São Paulo nos anos 1990



- Marie! Marie Claire!
A voz saltitava pelo corredor, quase atingindo o teto, e voltava a tocar o solo, resvalando levemente nas paredes. Na tinta branca, pessoas e lugares fabulosos se reservavam para serem olhados por quem passasse, resguardados por belas molduras. A estreiteza do corredor era desafiada pela potência da voz retumbante que desviava toda e qualquer atenção para a atividade do momento: o jogo do tapete.
Se uma perna tocasse o losango acarpetado e a outra tocasse o piso de taco, seria o fim. Cada jogadora deveria posicionar com sabedoria seu pé de maneira a evitar a perda de pontos, a perda da vez, ou mesmo a entrega da vez para a adversária. Quem atingisse o outro lado da sala primeiro, pisando apenas nos losangos dos tapetes, venceria.
As pernas das cadeiras tentavam fazer a sua parte para se preparar para o confronto entre as pernas e os losangos, mas acabavam atrapalhando de qualquer forma. Uma meia de bolinhas brancas e vermelhas se aproximava de um losango, sabendo que tinha a vantagem. A melhor amiga, aquela para todos os momentos e todas as confidências, tentava saltar direto de um losango para outro, a três losangos de distância, um feito arriscadíssimo, segundo os comentaristas do jogo da semana passada. Um pé ameaçou cair fora do losango, mas o equilíbrio venceu. A melhor amiga não decepciona, pensou a dona das bolinhas algodoadas.
Mas ainda havia dois percursos traiçoeiros a conquistar. Em outra tentativa, os cabelos de uma resvalaram no piso, mas logo se apressaram a se posicionar em uma distância segura do solo. Em outro, uma cadeira se adiantava no meio do caminho, e dificultava a manobra, que teve que ser feita na diagonal, mas a melhor amiga conseguiu pisar apenas nos losangos alaranjados.
Era a última tentativa da primeira jogadora. Ela se adiantou, planejou a rota e preparou o salto, calculando possíveis erros de percurso. O ar entrou e rapidamente preencheu a caixa torácica, demorando-se a sair. Houve um arroubo de movimento e, numa lufada veloz de ar, a menina se foi. Por meio losango, a menina perdeu. A melhor amiga de quatro patas miou em comemoração. Um dia ela será humana, pensou a menina, e entenderá a minha dificuldade. Um dia.


*Texto por Fernanda Marques Granato. Texto protegido pela lei de direitos autorais.

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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Synecdoche



“I have never met anyone as long-reaching as him, and I’m not talking about his height”, whispered the student, glancing upon the newfound teacher. Mr. McFellows, 47 years old, 30 in the past and 17 in the future, was able to reach his past – as well as everyone’s – with a slight reach from his mind. Having the most powerful mind of the century, muscles straight from the Greek Gods, and eyes that could be easily mistaken for arctic pools, he was unmatched. No one could believe it, and yet there he stood, calm as a broken sea, sturdy as a tree and welcoming as an apple pie. If you really dove into his eyes, some said, you could go crazy. The waves that built his line of reasoning, the foam that encompassed its structure and the breeze that made everything fall into place questioned any validity. He made you question everything you knew, would like to know or know at this very instant. He had a way of focusing all the different parts of something that never really led you to make a picture on your mind of the whole image. These lists of never ending parts kept floating on the sea and risked drowning daily. But his eyes, as cold, solid, lonely and forgotten as the south pole, his eyes were powerless to connect and to merge this images to cast a body of strength that would eventually coat all things known by men. His eyes, like arctic pools, were able to lie to no one.

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**Texto por Fernanda Marques Granato

I didn’t know he was one of us

            As the wind approached the window, everything around the curtains trembled. The shiver could be felt by every pinch of salt that had ever inhabited these surroundings, and it had no intention of leaving.  It was long overdue. Fifty years, some papers acknowledged. Five years, some on-lookers guessed freely, unencumbered by the responsibility of supporting their claims with harvested data. It was no walk in the park, for sure. But the people needed answers, and somebody had to provide it for them, even if the investigation was lacking in the evidence-finding front. Either way, this mild shaking was foreshadowing feelings that later would sprout on the city, being felt later on a global scale. A cat emerged from behind the curtain, being caught mid-sleep by the quake. Even though he didn’t seem to mind, he was somewhat taken by the event, having started to walk in a slightly different pace, and backwards. All the same, no one noticed. Not even the furniture that had changed places considerably to make room for the entrancing madness that usually follows earthquakes. Not even the little girl that was hiding behind the open door, hoping to go unnoticed. Not even the vase with a flower, which was sweeping the floor with the water that had started to multiply by a hundred right after the quake. Not even the dog that, not having noticed the cat, the quake, the flood caused by the flower pot, the changing furniture or the girl, kept on chewing the same shoe string for decades. But the scientist, oh, the scientist, after glancing from the broken window, confirmed his suspicions and pretended to be a shadow, as so not to be blamed for the miserable outcome. I didn’t know he was one of us, and, like one of us, would prefer to go about unnoticed as hell broke loose outside. He must have been one of us, after all.


*Texto por Fernanda Marques Granato.
**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

When I grow old


When I grow old, I won’t be buying beef stroganoff for storing in my fridge.
I won’t be worried if I don’t get the joke’s punch line.
I won’t be seen wearing uncomfortable clothing.
I won’t be caught dead doing mandatory things – except growing old.

When I grow old, I won’t be needing my alarm clock.
I won’t be dealing with annoying delivery men.
I won’t be hoping for the best.
I won’t be worried if I fail.

When I grow old, I won’t expect too much of anything.
I won’t lay plans out for others.
I won’t be sorry they didn’t lay any for me.

When I grow old,
I will be at ease with myself, and

I won’t be denied the privilege.


* Texto por Fernanda Marques Granato.
**Protegido pela lei de direitos autorais.
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